31 de dezembro de 2015

A poesia em 2015

Qual o balanço dos lançamentos de livros de poesia em 2015? Há dificuldade para esse mapeamento, pois as pequenas editoras passaram a ocupar o espaço da edição dos livros de poesia, geralmente com difícil acesso às edições. Até hoje, por exemplo, não consegui o livro Corpo de festim, de Alexandre Guarnieri, que ganhou o prêmio Jabuti de 2015. Mas, pelos poemas esparsos na web, é um poeta que vem afirmar o caminho de reconhecimento das sensações do corpo na realidade. Foi editado por uma pequena editora: Confraria dos ventos. E também por uma pequena, Mondrongo, o livro A Dimensão Necessária, de João Filho, que parte de uma poética tradicional para sinalizar que está disposto a despojar as formas, se é que ainda é possível despojamento na linguagem. Este livro ganhou o prêmio da Biblioteca Nacional. Algumas edições de poesias reunidas: Orides Fontela, que está chegando ás livrarias, e Ferreira Gullar e Adélia Prado. Saiu pela Companhia das Letras a nova Reunião da poesia de Carlos Drummond de Andrade, mas uma porcaria de edição. Salva a reedição de Murilo Mendes e Jorge de Lima, pela Cosac Naif (espero que alguma outra editora dê continuidade ao projeto de reedição destes autores). As reedições de Cecilia Meireles e de Manuel Bandeira quase não merecem menção, pois sem nenhuma gala. Há gala na caixa da poesia completa de Mario de Andrade, pela Nova Fronteira. Homero nunca esteve tão em alta. Edição luxuosa da Odisseia, pela Cosac Naif. Teve livros de Fabio Weintraub e Ruy Proença, mas achei a poesia dos novos livros inexpressiva. Há esforço, mas a poesia não se realiza, pois é uma poesia do cansaço da própria poesia, do próprio poeta que perdeu a visibilidade e a espontaneidade. E teve Escuta, de Eucanaã Ferraz, o que tem sido, senão o melhor poeta, pelo menos o mais espontâneo e autêntico. Gosto de suas experiências com a linguagem que vai se criando com a prática da web. Em Goiás, a editora Martelo deu tom importante à edição de poesia. Para mim, ela foi responsável pela publicação de dois livros  que marcarão a história da Literatura, não só de Goiás, mas dos anos vindouros da nacionalidade. Primeiramente, Meditação, de Jamesson Buarque, que traz vitalidade, vivacidade à poesia. A poesia deixa de ser, em suas mãos, algo banal, ocupação de tempo, para ser um exercício responsável, pleno de energia. A Martelo ainda reuniu toda a poesia de Heleno Godoy, numa edição que dimensiona uma obra necessária para a evolução da poesia brasileira. Heleno Godoy despojou a poesia do pieguismo. O tempo tinha de passar para que a sua poesia fosse vista com a necessária profundidade, pois foi construída num tempo em que se exigia participação social. E ele estava noutro caminho, o caminho da permanência. É o meu livro do ano. E Goiás ainda teve dois livros com a reunião completa da produção de Edival Lourenço e Itamar Pires Ribeiro. Portanto, em Goiás, a poesia esteve em alta em 2015. Brasilia orbitou no mesmo e no frágil. Destaco Welcio Toledo, que ainda tem de eliminar muita banalidade para chegar à poesia que exigimos. E muito esqueci e muito não vi. Podem me ajudar a completar a lista nos comentários. E divergir.

7 de dezembro de 2015

Martim Vasques da Cunha

Nos meus tours pelas livrarias, noutro dia me deparei com o livro A poeira da Glória, de Martim Vasques da Cunha. Surpreendeu-me os poemas que apareciam no final da obra, de Alberto da Cunha Melo. Não comprei o livro de imediato. Mas sempre que me lembrava dos versos de Alberto da Cunha Melo, algo me instigava. "Um livro que cita um autor que não está canonizado na história oficial de nossa literatura, deve conter bastante crédito." Encomendei o livro por uma livraria virtual, pois assim o seu preço caia para menos da metade do preço.

Mas de cara, irritei-me com a apresentação. O apresentador já faz algo pernóstico ao dizer que o livro estabelece "um diálogo íntimo com o meu", e cita o seu livro. Quem está apresentando quem? Nesse gesto já estabelecia que a crítica brasileira é egocêntrica, arrogante e pernóstica. Por isso prefiro Chesterton, pois o que torna algo atrativo é a inteligência e a sagacidade.

O importante é que não consegui ir além de um quinto do livro. É um grande alinhavo de resenhas, numa colcha em que estes retalhos são mal costurados. Retalhos amontoados sem nenhuma ordem que dê uma visibilidade agradável à colcha.

Martim Vasques da Cunha perdeu oportunidade de apresentar a literatura brasileira com elegância e ordem. E sagacidade. Inteligência não lhe falta, mas lhe falta ordem e um pouco de carinho e respeito por nossos autores. E também carinho respeito por seus leitores. Nem todo leitor brasileiro está despreparado. Veja quando ele cita desnecessariamente três páginas de Dante só para dar amplitude ao seu livro: "distinto leitor, achou o trecho longo e tedioso, fique calado, não reclame, aproveite ao menos uma vez na vida a chance que estou lhe dando de ler Dante". O crítico pernóstico sempre acha que só ele tem acesso à cultura. Dou a chance de Martim Vasques da Cunha ficar com seu cabedal de arrogância.

E cheio de trapalhadas. Quando aborda Gregório de Matos, numa colagem depois de Machado de Assis, diz "retornar" a Gregório quando não tinha falado desse autor. E expressões que não cabem num livro que se diz história da literatura (esses sujeitos que simplesmente matam o prazer da leitura). Chulo pra cacete. E depois julga "fundamental" quem ele deseja destacar certamente por alguma relação pessoal e não de cultura.

Tomei uma decisão neste mundo. Se eu tiver alguma coisa a fazer por uma pessoa que se julga o centro do mundo, o centro da sabedoria, é jogar uma pá de cal sobre ela. Esta é minha pequena pá de cal sobre um livro pernóstico, arrogante e egocêntrico. Poderia ser útil, mas, para mim, já nasceu enterrado.

2 de dezembro de 2015

João Filho

A POESIA INAUGURAL DE JOÃO FILHO
 
Assim que foi divulgado o resultado do Prêmio Biblioteca Nacional de 2015, vasculhei a web para buscar informações sobre o poeta João Filho, que levou o prêmio com o livro A dimensão necessária. Não eram muitas, sequer possui perfil no Facebook pelo menos não localizei. Então encomendei o livro diretamente na editora Mondrongo.
Logo No primeiro poema já vem algumas indicações da trajetória que João Filho deseja palmilhar. A cidade se redesenha nos sapatos velhos e gastos, mas com desejo de renovar o gesto limpo. E vai nesta afirmativa de reservar uma reverência à tradição:
 
“porém não lave os sapatos,
não porque registre tantos
itinerários, andanças,
mil labirintos urbanos, a
 
fuligem aí pousada,” 
 
Com o andamento do livro, observa-se um excesso de respeito a estes sapatos “um pouco velhos e gastos”, com sonetos referenciais a temas específicos, como locais de Salvador, a alguma amada, a terça rima para sagrar o riacho. Em outros poemas, a demonstração ao trágico, a referência ao dantesco. 
Estes exercícios do primeiro livro, para comprovar a capacidade de execução das formas tradicionais, se fora de época ou retomada de épocas, servem para a formação do poeta, pois este é o livro inaugural de uma carreira que nasce consagrada por um prêmio luminoso. Mas não é só o prêmio que o consagra, também composições enxutas, como o poema “Sombra de nuvem”, onde o poeta exercita sua capacidade de captar um gesto, compará-lo, e conseguir sem erro um resultado. Em “Luz primeira” é onde João Filho melhor se firma como poeta de seu tempo, pronto para libertar-se e iluminar-se com formas mais soltas. Espero que seus próximos trabalhos palmilhem esta liberdade de forma e expressão.
Detenho-me num poema, onde uma falsa forma velha  que é o que os contemporâneos buscam  é usada por João Filho para questionar este mundo velho e derrotado. Aí ele revitaliza o trágico e o metafísico. Vejam a primeira estrofe do poema “Considerações sobre a derrota”:
 
“Manhãs inaugurais de fuligem e névoa.
Já falta menos do que faltava.
Reduzida a ruínas a cidade acorda;
o que pulsátil vigorará
no centro danificado do dia? Chove.
Nesta hora exausta recolha a lança,
estreite a chama, reduzidíssima,
profundamente   aí tua casa.
Soubesse Ulisses dessa exuberância fóssil
amaria a cidade calcinada? Chove:”
 
E o poema segue por mais três estrofes, com repetições do abandono e do verso “Já falta menos do que faltava”.  É um poema que transcorre na perfeição. Tirando algum excesso de advérbios, alguma notação temporal (quarta-feira), João Filho é um poeta que inaugurou bem sua cidade

14 de novembro de 2015

Sérgio de Castro Pinto

Esta não é uma resenha, mas uma anotação livre pelo impacto de me reencontrar com a poesia de Sérgio de Castro Pinto. Texto bem livre, talvez até com alguma inexatidão e erros, mas com legítima sinceridade. Texto livre numa tarde de descanso e prazer de saber que outros poetas nesta tarde se ofuscam em diversas paragens com os desentendimentos do homem no mundo.
Ter nascido no mesmo ano de publicação do livro Invenção de Orfeu, de Jorge de Lima, me deixa sempre comovido. Só poderia conhecer essa poesia de construção inquebrável muitos anos depois, e não poderia praticá-la, pois seria andar numa estrada já trilhada. E depois me comove encontrar obra daqueles que produziram poesia nos mesmos anos por mim vividos. Nesta semana, ainda me encontrei com a poesia de Adriano Espíndola, que também nasceu em 1952. E depois foi a hora de me comover com o livro Domicílio em Trânsito, de Sérgio de Castro Brito, de 1983. O meu primeiro livro, A moenda dos dias, é de 1979, sendo que o primeiro que escrevi foi O susto de viver, de 1980. 
Surpreendente ler o livro de Sergio de Castro Pinto e encontrar o clima tenso do momento histórico que vivíamos e abordávamos em regiões distintas. Prova de que a ditadura angustiava a todos os escritores do país. O medo subjacente, o vazio de estar se sentindo inútil numa repartição público, pois viemos de uma geração participativa.  
Mas neste livro de Sérgio de Castro Pinto está um dos poemas que leio sempre como um símbolo de composição, de poema que nasce para representar uma geração e a validade do ato de produzir poesia. "Duas odes à borracha" tinha sido publicado em 1970 no livro A ilha na ostra, por isso a nossa contemporaneidade. 
A borracha não é algo estanque, que simplesmente anula. Na poesia de Sérgio de Castro Pinto, a borracha é abordada como se fosse o próprio homem do período do regime militar. Há um verso que lembra que há outras "borrachas que solidárias" quer limpar outras borrachas, que certamente não continham sol, pois preocupadas em enegrecer com seus erros

a borracha alimenta-se
de medo e do inexato 

Fico esperando que um poema como este, escrito no mesmo ímpeto de uma Máquina do mundo, tenha uma luminescência no conhecimento da nacionalidade. Com um poema destes podemos reconhecer que somos seres que desejam estar instaurados fora do caos.

Eu, Sérgio de Castro Pinto, Alberto da Cunha Melo, Adriano Espindola, Brasigois Felicio, Gabriel Nascente, e tantos outros, vindos de um mundo falido, tínhamos de organizar outro formato de produção poética, de questionamento da realidade. Em determinado momento, talvez ele se torne mais compreensível. Nosso mundo caótico, repressivo, ainda não analisado e compreendido com algum formato melhor elucidado. Vai surgindo outras gerações e parece que esta que resistiu não pode ocupar algum momento de clareza, que deva permanecer ali no limbo intocável de todos os erros do período. E a poesia dos anos de chumbo era guerreira, viva, sanguínea, que cataliza todo o medo e fracasso. Ma é uma poesia vitoriosa, resistente, mesmo quando os temas são sutis e emergem com o homem angustiado e perseguido. É uma honra ter produzido neste período e poder estar buscando outros formatos de ajuste poética em outros tempos, também sombrios, pois sem metas e, pior ainda, sem compromisso com o humano. 
Deixo aqui um abraço afetuoso para Sergio de Castro Pinto, que lá em João Pessoa, busca e incentiva. Busca e pensa formatos. É importante ver poetas que motivam a juventude para arte. E Sérgio de Castro Pinto incentiva. E Jamesson Buarque incentiva â exaustão. 
Voltarei a João Pessoa só para me encontrar com Sérgio de Castro Pinto e nos sentarmos diante de uma paisagem.

1 de novembro de 2015

Ler poesia é nos sentirmos decentes

Ler um poeta é uma forma, senão a única, de nos sentirmos seres humanos decentes. Não é uma expressão minha, mas eu assinaria decentemente a observação de Joseph Brodsky sobre W. H. Auden. Em muitos lugares eu gostaria de estar. Gostaria de ter participado da leitura de poemas que os dois fizeram sozinhos num quarto de hotel. Mas aquele momento era só deles. Não teve gravação. São estes momentos únicos que fazem a vida ter justificativa. Temos de ter orgulho de todos os nossos atos, inclusive aqueles que fazemos reservadamente. Quando eu pratico um ato, inda que solitário, se não estiver revestido de ética, não há razão de eu ter direito à liberdade. Não posso corromper a família, o Estado, a mim mesmo. Não há dinheiro algum que valide atos corrosivos. Outro momento de que gostaria de ter participado: da prisão de Garcia Lorca. Ele não merecia ter morrido só, nas mãos de uma ditadura. Há uma tremenda alegria na literatura, mas uma enorme angústia nos seus autores. Não estive no quarto em que João Antônio apodreceu solitariamente, sem a presença de escritores e de familiares. Mas é bom morrer solitariamente. Só temos de viver de forma agregadora, respeitando as leis, inclusive de responsabilidade por nossos atos. Cada ato humano tem de contribuir para melhoria do mundo e não só com nossos interesses. Esquecemos de ir discutindo a ética. Se não nos lembramos disso todos os dias, admitimos que é possível ultrapassar o limite da moralidade.

Carina Rissi

Estive no lançamento no último livro de Carina Rissi. Notei que há um universo paralelo na literatura. Há um universo da literatura tradicional, que se preocupa com a tradição e o real; e agora esta literatura jovem, com um frisson sensual, que busca um real de glamour. Como funciona isso? A juventude está buscando outro real? Esta literatura levará este leitor jovem depois para a literatura tradicional? Pois notei que há pessoas nesse grupo que não é mais tão jovem. O jovem de hoje demora a querer ser adulto ou demora mais a querer encarar o real? Será que a juventude de hoje avança mais para outros universos que em tempos anteriores? Acho que isso tudo daria um bom debate. Mais alguma pessoa que quiser apresentar alguma observação, seria ótimo. Como é que se poder ver essa tribalizacão entre real e glamourização do real?

Obras Completas de Machado de Assis

Recebi a nova edição das Obras completas de Machado de Assis, pela editora Nova Aguilar. Eu diria que é a melhor edição de Machado editada até hoje. Um formato maior, com letras e espaçamento legíveis. O papel ainda não é o ideal. Vaza a mancha excessivamente de um lado para outro. Alguns cadernos vieram com corte fora de esquadro, além de o corte da guilhotina apresentar-se dentado, com irregularidades na edição. A gráfica não deve ser cautelosa, pois um exemplar chegou com manchas de tinta dos dedos do impressor. Mas gostei. Esperava que os contos estivessem reunidos na totalidade, mas ficou faltando mais de 10% do que já está catalogado. Mas parabéns a todos os organizadores. Valeu a aquisição. 

13 de outubro de 2015

Zbigniew Herbert

Sentimento de identidade

Se tivesse algum sentimento de identidade talvez fosse com a pedra
de um arenito sem muita frieza de um claro acinzentado
e uma miríade de olhos de pedra de fogo
(comparação absurda a pedra vê através de sua pele)
de possuir um sentimento de profundo vínculo com algo seria justamente        [com a pedra

de modo algum tratava-se da ideia da imutabilidade era
uma pedra de variedade preguiçosa se o sol resplandecia tomava sua luz [como a lua
se se avizinhava uma tormenta se punha azul como uma nuvem
para depois beber a chuva com avidez e esses seus confrontos com a água
a doce aniquilação o combate de entes o choque de elementos
a perda da consciência de sua própria natureza e de sua ébria compostura 
eram ao mesmo tempo formosos e humilhantes

assim enfim recobrava a sobriedade o ar ressecado pelos relâmpagos
envergonhado suor pequena nuvem passageira de amorosos fervores

27 de maio de 2015

Eucanaã Ferraz

Li o novo livro Escuta, de Eucanaã Ferraz. Animou-me o despojamento do uso da língua, o formato adotado para desenrolar a comunicação ágil. Poesia messenger, sem perder a mensagem humana. Por exemplo no poema "Certo": "Hoje quero te falar de permanecer vivo//mas venho te dizer que tudo permanecerá vivo/nesta hora em que te digo agora". Esse primeiro verso dá da Gonçalo M. Tavares escrever um de seus tópicos de seu ciclo o Bairro. Pois está difícil permanecer vivo. Em outro poema, comovente a alegria de saber que emerge o homem do mar sem ser o afogado. E também o que aborda a impossibilidade de a poesia ser lida pelos mortos. Quantos outros mortos ficaram fora do poema, pois todo morto não lê poesia. Ou quem não lê poesia é o morto. Há uma metalinguagem do risco dessa poesia que emerge do mar desse tempo. Uma poesia que zomba de si mesma, que se sabe grotesca pois emerge do e habita o grotesco. Uma poesia que dialoga com Camões e Alphonsus de Guimaraens. Adoro o poema de Alphonsus Guimaraes, que ele reconstrói em outro. A poesia faz uma viagem pelo Brasil. Em Brasília, passa por Candangolandia, Valparaiso. Uma poesia muito propícia a este tempo. Alguém tem de arriscar a fazê-la. E Eucanaã ousa arriscar.

3 de abril de 2015

Basta

Basta que ocorra a visita
e talvez o sólido seja a amizade
a fervura de uma casa
quase inútil se não chega outro olhar


Basta que se interponha na paisagem
o rosto juvenil que se aninha
no linho dos desenhos
Basta o colar ao colo
e ao imaginário virão os alinhavos
na hora sexta das paixões mortas


Basta o Deus perdulário
deixar no galho o veludo do cogumelo
o desenho de um rosto de deserto
o forno com o hálito do peixe
e também o prurido de um cão

Editora Caminhos

Recebi exemplares dos três primeiros livros de poesia de autores goianos publicados pela Editora & Livraria Caminhos. Chegaram num capricho de regalar os olhos! Envoltos numa caixa timbrada da editora, com um decalque e um cartão com a logomarca. Mario Zeidler Filho, o editor, saudou o nosso blog "Literatura Goiana", que já teve em torno de 60 mil acessos.  Trata-se da reedição de Poemas e Elegias, de José Décio Filho, que, junto com José Godoy Garcia e Accioly Filho, firmaram o Modernismo em Goiás. E, os outros: Violetas Violadas, de Teresa Godoy, poeta de Pirenópolis; Últimos Sonetos, de Heitor Quilles, goiano que vive no Uruguai. Poemas destes autores, isoladamente, foram postados aqui no blog. Para conhecer a editora ou encomendar os livros, visite o site: www.livrariacaminhos.com.br
 
 

22 de março de 2015

Rua da Direita

Enquanto nada acontece
vamos fazer uma pergunta
ou dar uma resposta
Ou dar um oi
já que hoje não temos passeio ao rio dos Bois
Para ceifar o matagal
tirar as foices da viga do paiol
Chegou a visita?
Ronda teu nariz algum mosquito?
Há a rua enorme e vazia e silenciosa
à espera das crianças com os skates
Ou só o dia enorme e indiferente
com a igreja do Senhor do Bonfim no fim da rua
Vestir a boa roupa
e ficar elegantes para pensar coisas grandes
e não surgem na rua os elefantes
Até as formigas descansam a esta hora
e vazio fica o terreiro
Quase estamos presos numa masmorra de Palmelo

Já assisti nessa paisagem
de adormecida poeira e de desânimo

19 de março de 2015

Publicação no Diário da Manhã


Aguardo com ansiedade meu exemplar do livro analisado abaixo. Alguns poemas aparecem junto com os bons goianos:

Sublimes linguagens:  harmonia e perfeição sob a tutela de Elizabeth Caldeira Brito


O homem, desde os primórdios de sua existência, foi impulsionado a expressar os seus sentimentos. Na sua simplicidade, entrou no mundo das artes, grifando nas rochas e elaborando esculturas, contando com o material que tinha em mãos. Mais tarde, começou a usar as palavras gravadas nas pedras e a explorar os recursos de voz para emitir sons musicais. Externar emoções é inerente ao ser humano.
As artes, a literatura e a música sempre caminharam juntas no decorrer do desenvolvimento da civilização. Gradativamente, surgiram grandes talentos, porém, a posteridade tomou conhecimento apenas do material que foi registrado. Quantas maravilhas foram apreciadas, na época em que foram produzidas, e se perderam no tempo sem deixar marca para que outras gerações pudessem desfrutar desse acervo cultural que traduzia a alma da humanidade!
O trabalho que Elizabeth Caldeira Brito vem realizando no Diário da Manhã, na página por ela elaborada no caderno OpiniãoPública, abre espaço para que a poesia e as artes plásticas possam se entrelaçar resultando uma união perfeita. Além disso, permite que os artistas desfrutem de um painel para a divulgação das suas obras.
Tudo o que não é publicado cai no ostracismo. Foi o que aconteceu com a obra do grande mestre alemão do período barroco musical Johann Sebastian Bach, cujos manuscritos permaneceram esquecidos nos sótãos empoeirados de residências abandonadas por quase um século. Graças à descoberta dessas relíquias por  Felix Mendelssohn, seu compatriota, a humanidade pode ter acesso à perfeição das mais lindas obras primas do ilustre compositor que se tornaram imortais e fonte inspiradora de renomados musicistas.
Porquanto a iniciativa de Elizabeth deve ser valorizada. Depois de mais de três anos de publicação no DM, resolveu reunir as peças do seu trabalho e divulgá-las em um livro, o qual intitulou Sublimes Linguagens. Elaborou com maestria uma edição consistente de extrema beleza, bom gosto e imaginação. As cores fortes e harmoniosas deram vida às exposições e, ao mesmo tempo, serviram para separar as produções dos autores.
Obras primas se juntaram como elos da mesma corrente, entre elas, telas de Amaury Menezes, Cleber Gouveia, Frei Nazareno Confaloni, DJ Oliveira, Gustav Ritter, Goiandira do Couto, Antônio Poteiro, Alessandra Teles e Elder Rocha Lima; esculturas de Maria Guilhermina, Elifas, Helena Modesto e Antônio Vieira; fotografias de Nelson Santos, Sinésio de Oliveira, Wagner Soares e da autora Elizabeth Caldeira Brito; poemas de Leda Selma, Augusta Faro, Moema de Castro e Silva Olival, José e Gilberto Mendonça Teles, José Fernandes, Alcione Guimarães, Geraldo Coelho Vaz, Ercilia Macedo–Eckel, Mariza de Castro, Itaney Campos, Ursulino Leão Tavares, Nasr Chaul, Yêda Schmaltz, Miguel Jorge, Brasigóis Felício, Sandra Rosa, Cristiano Deveras, Büchner Sampaio Rosa, Floriano Freitas Filho, Aidenor Aires, Edival Lourenço e Bariani Ortencio.
Tantos outros autores se destacaram no acervo de Elizabeth, tornando-se difícil se referir a todos. Somente em um ambiente adequado, folheando as páginas do livro, lendo com atenção as indicações da autora, os títulos escolhidos para cada parte selecionada, seria possível avaliar a grandeza do trabalho de Elizabeth Brito.
O lançamento do livro aconteceu no salão da OAB, Ordem dos Advogados do Brasil. Na entrada, cavaletes com quadros ilustrativos de Sublimes Linguagens ornamentavam o saguão, abrindo alas para as pessoas que chegavam, encantando-as com o espetáculo pictórico que se descortinava, como se a intenção fosse prepará-las para terem em mãos o livro a ser autografado.
Indivíduos do mundo das artes, da literatura e da música circulavam ao lado de presidentes de entidades culturais com a alegria natural de participar desse evento onde a atmosfera era de harmonia e bons fluidos. Elizabeth, com o desembaraço que lhe é peculiar, recebia a todos com gentileza e apreço, brindando os leitores com dedicatórias delicadas e carinhosas.
Dessa forma, ficam registradas para a posteridade obras relevantes da atualidade. Os participantes se sentem honrados com a oportunidade de ter suas obras tão bem-ilustradas. Esperamos que a autora dê continuidade a essa difícil empreitada para que outras gerações possam ter acesso aos movimentos artísticos e literários a par dos fatos que acontecem nos nossos dias. Parabéns, Elizabeth Caldeira Brito, pela dedicação na pesquisa e produção deste livro encantador: Sublimes Linguagens!

(Alba Dayrell, membro da Academia Feminina de Letras e Artes (Aflag), da União Brasileira dos Escritores (UBE)e professora aposentada da UFG)

1 de março de 2015

Enquanto o engano

Continuo no ponto de espera enquanto
há o engano na duração de uma lua
com a extinção da água na cornucópia de Orfeu
Nos barris negros enquanto não foram vapor
e nem me interpor nas curvas das assinaturas
entre os acordos das coordenadas
Na fixação do rosto na podridão do assédio
e ser assaltado pelo despudor da falha dentária

To be/não me engano com a mão
empurrada para o vértice das pernas
enquanto se apresentam as moscas sicilianas
que vieram de um diálogo do filme de Losey
Não me engano pela troca da espingarda
pelos acres de terra/ficar este ser
sem onde atirar/mirar ao Norte
entre os saltos das ondas do bestiário

Não é por ludíbrio que todos se ausentam
Talvez por conhecer os estirões nos joelhos
a desnecessária vara do pau-de-arara
Talvez pelo balde vazio/pela covardia
de não se mover no engarrafamento
Acreditar-se com a riqueza enviada
pelas barreiras do câmbio suíço
e ter de balançar o berço de talas do Calvário

Curto meu ócio/minha viagem habitada por bivalves
que ofuscam as vulvas do significado
Aguardo desde o movimento boreal
Desde a constância da eliminação do adversário
A minha estrada não é aquela em ponho meus pés
em que faço mira com minha espingarda
Em bocainas de secos mirtilos/sigo para povoar
o mundo com nossa falta de ovário

27 de janeiro de 2015

Astier Basílio



Republico aqui a resenha que Astier Basílio publicou sobre o meu livro Ruínas ao sol. Deixo-a na íntegra, pois tem uma importância enorme para mim, pela sinceridade, pela leitura consciente de meu livro. Pois esse excesso de repetição vem do mundo entediado em que vivemos, que está resultando na violência da elite em quebrar as cidades. Basta ver o romance Terroristas do milênio, de J. G. Ballard.


Jornal da Paraíba, em 28 de outubro de 2006

Uma travessia entre o inusitado e o estranho

A poesia do goiano Salomão Sousa joga com o manejo da linguagem, mas o efeito se perde coma repetição excessiva de recursos

Astier Basílio

Há poetas que apostam no pensamento, outros na fragmentação e no desmonte, por sua vez, há aqueles que investem na linguagem. É dessa família que pertence o goiano, radicado em Brasília, Salomão Sousa. Prova disso é seu livro Ruínas ao Sol (7 Letras, 86 págs., 2006). A obra foi a vencedora do Festival de Poesia de Goyaz, deste ano.
Na linha encantatória e com apelos eloqüentes aos aspectos visuais e sensitivo feitos através do uso da metáfora, que comparece em sua estrutura visionária, repleta de estranhamentos e de associações pouco usuais, a poesia de Salomão trabalha com o inusitado e o estranho.
É o que podemos ver em construções como “aceitar os escombros/ as moscas da febre/as magras pontes sem nossas sombras”, ou “Onde as sementes desejam/ voam plumas e se confundem/ com líquidas libélulas de sol”e“com os idílios dos erros nós remamos”.
O livro nos remete a uma espécie de travessia, sem lugar e em todos os lugares. A paisagem é o palco para as errâncias da linguagem que não cede aos regimentos lógicos, antes resvala pelo terreno do surrealismo. Os poemas
não têm título.
O que sugere este horizonte circular e mútuo, como se um único poema se desdobrasse em movimentos, promovendo avanços e recuos, mas sem a intenção de chegar. É o que se pode ver nestes belos versos: “Estarás em qualquer/ilegível estrela ou estrada/ irei recolhendo tuas roupas/todas em rasgos/ só eu posso te encontrar/ no instante em que fores louca”.
Era como se o poeta quisesse sinalizar que não há saída fora da linguagem, que não haveria salvação fora da palavra. Esta é a impressão que tenho ao ler versos como “ninguém terá de imaginar fugas/ mentir às brumas dos brâmanes/ ninguém ficará sem saídas/ nas curvas do labirinto/ninguém terá de terminar”. O poeta quer seguir o seu deserto de dentro. É o que vemos nesta verdadeira profissão de fé: “Não se apresenta nenhum nirvana/e talvez nada seja em vão/não reclamo da andadura/ não levo me a nenhuma caravana/sem visagens e sem cântaro”.
Ruínas ao Sol é um título extremamente significativo. Salomão ativa vários sentidos aí. Podemos lê-lo como a descontinuidade do amanhã, o tempo e seus entre-lugares, numa referência à pós-modernidade, terreno movediço de vozes. Se é no manejo da linguagem o ponto alto do goiano e neste mesmo expediente que decorrem os momentos menos felizes do livro, justamente, por conta do abuso deste recurso, que à repetição excessiva, acaba perdendo seu efeito surpreendente.

RETRATO, poema de Antonio Machado

Traduzi para meu consumo o poema "Retrato", do espanhol Antonio Machado. Trata-se de um dos poetas de minha predileção, assim como...