16 de fevereiro de 2014


Poema para quem tem filho para sentar nos joelhos
e deseja deixar o legado de algum sentido
Há menos sentido no capítulo 73 de Rayuela
do que naquele que tem moedas só para um café
Há mais sentido na música no ouvido
do que em poder pagar pelo lanche
num balcão de rodoviária/e em assistir
aquele que não tem as moedas completas
para pedir um copo de refresco de máquina
Há mais sentido na leitura da Rosângela
do texto sofisticado na linha do tempo
/ela mesma! que tem parentesco com Antonio Vieira
e que chupou limas aromáticas sentada
nos joelhos dos pais em Minas/ 
do que a daquele que não levará o filho
ao balcão da rodoviária para leitura
da estratificação social
e nem irá sentar o filho nos joelhos
para lerem juntos o capítulo 73 de Cortázar
Talvez só vá sentar o pequeno filho ao volante
e explicar que o país deveria ter
mais quilômetros de asfalto
e a família poderia ter mais horas de voo 
e não fará a leitura sobre a redução das gramíneas
para as sementes de alimentação dos pássaros
Não verá sentido numa postagem
na linha do tempo com abordagem fria
e linear sobre o desânimo nos olhos em um balcão
Não vai curtir uma postagem com palavras frias
e menos compreenderá o fogo da rue Huchette
Quem ganha quase dois salários mínimos diários
não vê sentido na leitura da fome
que não esteja no próprio intestino
Não notará o amigo de a pé na rua, pode ser
Gabriel Nascente lembrando das toras
com os moventes dentes das serras dentro
pois sentou-se nos joelhos do pai marceneiro   
Não há sentido na que firma a asa da chávena
com o chá de apressar a digestão
Há menos sentido em mentiras com a ocultação
ao filho e no filtro da rua/do que convergir/
do que naquele que com o resto de fôlego
esfria o copo de café na rodoviária 
e o toma como refeição/sem saber de nenhum sentido

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