17 de agosto de 2013

Ernani Ssó

Data:14/ago/2013, 8h19min

Me segurem que eu vou ter um troço

Em entrevista recente a Carlos André Moreira, na Zero Hora, João Gilberto Noll diz: “Claro que reescrevo, tem um lado bastante racional no segundo momento. Sou muito exigente com esse aspecto artesanal”.
Talvez todo escritor acredite nessa ladainha. Pelo menos todo escritor, nas entrevistas, declara ser exigente. Somos levados a pensar que todo escritor pensa cada palavra, cada vírgula, cada ponto, dez vezes antes de dar por encerrado o trabalho. Bom, vai ver, pensa mesmo. O problema pode ser que o escritor simplesmente não enxerga direito.
Vamos ver dois exemplos da prosa exigente no aspecto artesanal do Noll. Salomão Sousa, no jornalRascunho, numa resenha sobre Lord, apontou “uma sucessão de frases descosidas, muitas delas sequer conseguindo explicitar significação”. Foi mais longe, na verdade: dizia que os próprios episódios eram descosidos, que o livro todo era uma desconexão só. Acredito, porque foi o que vi em Harmada, que resenhei pra Zero Hora, no milênio passado.
Primeiro: “Tudo é motivo de consideração, quando no fundo se almeja adiar a conclusão espinhosa de tomar” (p. 91/92). Segundo: “E que quando se volta de uma coisa assim o geralmente pouco ou quase nada que a vida pode dar começa a querer extrapolar para cima, entende?…” (p. 71).
José Castello argumentou, também no Rascunho, em defesa do Noll: “Uma literatura que se calca no inconsciente e que se move nas frestas do irracional, que se faz às cegas e a cada passo, e não seguindo manuais de boa conduta, não pode mesmo se pautar pela lógica e pela significação transparente”.
Acho que nesse ponto Castello devia apontar significações mais profundas e demonstrar, por A mais B, que o Noll está fora do alcance de leitores tacanhos como eu. Castello prefere comparar Noll com Clarice Lispector e Franz Kafka, autores que estão fora de sintonia com quase todos os padrões literários certinhos. Quer dizer, compara não. Ele afirma, de novo não apresenta provas. Diante disso, diante das frases citadas por Salomão Sousa, diante do que vi em Harmada, continuo numa posição mais modesta: dizer mal é sempre a pior forma de dizer.
Fúria histórica
João Gilberto Noll reagiu à resenha de Salomão Sousa com um chorrilho de palavrões e acusações absurdas. Sobrou não apenas para o resenhista, mas para todo o jornal, do editor à moça que serve o cafezinho. Segundo José Castello, pra compreendermos esse comportamento — destempero, como se dizia antigamente, ou chilique, como se diz hoje —, precisamos compreender a fundo a literatura do Noll. Quer dizer, pra compreendermos a falta de compostura, a vaidade desvairada, temos de ler a fundo o Noll. Entendi: a reação de Noll à crítica está à mesma altura intelectual de seus livros.
No Blog da Companhia
Em abril, um leitor chamado Carlo, pra elogiar um livrinho qualquer, deixou o seguinte comentário: “Recentemente, em uma aula de literatura na faculdade, o professor declarou-nos algo muito interessante: que não existe mais essa coisa de gênio incompreendido, de obra-prima restrita à gaveta. A velocidade da informação e a existência de consumo artístico de toda ordem fazem com que o surgimento de uma obra importante seja seguido de aclamação quase imediata em seu meio. A conjuntura atual não permite falta de reação a uma obra realmente relevante, acrescentadora, ou transformadora”.
Paulo Dias respondeu: “Aí está um dos motivos porque jamais desejei cursar Letras ou o que valha, Carlo. Seu professor está redondamente enganado. Esse imediato reconhecimento que ele alega em relação a uma obra relevante talvez só exista em um universo paralelo. No nosso, ocorre o contrário. Quanto mais pífia, no sentido estético-filosófico, é uma obra (desde, é claro, que contenha algum desses apelos irresistíveis: sexo, violência, experimentalismos de linguagem, prosa poética), mais chances tem de ser aclamado. E a frustração, creia, quando sincera e autoconsciente torna-se em mais uma razão para se adotar uma postura crítica diante de tanto ‘sucesso’ fabricado, e logo, imerecido”.

Não sei quem é Paulo Dias. Mas ele sabe das coisas. Sua frase entre parênteses não é de quem dormiu de touca.

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