7 de maio de 2010

Poema Brasília

Quase não retorno a este blog. Mas a minha amiga Emília me pediu um poema sobre Brasília para apresentação de umas fotos da cidade em sua faculdade. Acveitei o desafio e está aí o poema. Espero que ele tenha a sua respiração autônoma.



É uma imensa porta de vidro
com horas de pôr de sol
com estações de mar de mariposas
É o céu violento
das luas de brasas excessivas

É uma nave espacial de luzes
a trincar vitrais e narizes
a tornar as flores explosivas
De jenipapos de pipas
de painas espatifos

É um esparramado ninho
de onde nascem sabiás-da-terra
de onde os quero-queros vigiam os filhos
É um chão violento
das gramíneas abrasivas

É um grande hospício
de homens laicos loucos
Assista um gritar lírico:
— Ei, você aí do fundo
sentado sobre as hemorroidas!

Quando a matemática enlouquece
desfaz-se a lógica do vazio
Na rodô são seis habitantes
por metro quadrado
Os trinta e seis templos
por 1500 m de avenida
— Meu Deus, como sois generoso

E têm as mulheres que querem
acreditar nos homens, Emília
Acreditar pela fertilidade dos corpos
que têm de estar juntos dentro da cidade

Da Concha Acústica,
com a imitação do amor,
os homens contemplam
abrasados o mar imitado.
As pequenas embarcações de brinquedo,
que circulam e não partem nunca
para alguma exploração.
As embarcações são fiéis à cidade.

Também não vamos nos apressar
e dizer que os homens não amam, Otília.
Em fidelidade ao amor,
há os homens que invadem
os lares das amantes.
Cobram maridos que as amem.

E têm as horas solenes,
dos grandes assassinatos, Ana Lídia.
Os corpos levados ao mato,
estocados em sacos.
Só um pouco de cinza
recolhida do assento
da parada de ônibus.
Em duplas, em trios, em casais
os corpos são violados.
Depois ateados em fogo,
pois o desejo na cidade é quente.

E são as horas do advento dos carros, Otacílio
Eles param em plena Esplanada.
Em fidelidade à cidade,
os carros parecem dizer
que não querem partir
Já com o céu de mofo,
os funcionários exaustos
aguardam que os carros
decidam se mover

E Brasília decide se mover

Na ondulação dos ipês,
Nas embarcações quase paradas.
Ai! se move nas segredanças
das cores. Buganvílias
Ai! Brasília se move
no fremir louco de vida
em Otílias, em Otacílios
Em ti, Emílias

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