12 de dezembro de 2007


Com muita generosidade, nesta quarta-feira (12.12.07), na reunião Comissão de Trabalho da Câmara dos Deputados, o deputado Tarcísio Zimmermann leu um poema de nosso livro Safra quebrada. O áudio pode ser ouvido no site da comissão, basta marcar os pequenos quadrados que aparecem ao lado dos nomes dos deputados Tarcísio Zimmermann e Roberto Santiago, e clicar para reproduzir. (Comissão de Trabalho).

No mês passado, o blog do Noblat também trouxe um poema do livro Safra quebrada como “poema da noite”. Conferir no link: Noblat.

Assinalo com carinho que a deputada MANUELA D'AVILA nos disse que tem lido nossos poemas nos intervalos de sua atividade parlamentar.

9 de dezembro de 2007



Tardiamente, deixo aqui algumas fotos da homenagem que prestamos ao poeta José Godoy Garcia na Biblioteca Nacional de Brasília.
Agradeço ao Robson Correa de Araújo a gentileza de fotografar o evento.

Não tenho como nominar todos. Muito Obrigado.


Os jovens que me ajudaram na leitura dos poemas:
Gogá, Marina Godoy, Pedro Jr., e a linda Juliana Godoy!

Agradeço ao Antonio Miranda (E) o convite e a hospitalidade,
e ao poeta Sérgio Muylaert (D), amigo que andava muito sumido,
a interferência opotuníssima.

3 de dezembro de 2007

Não te sentirás um ramo murcho
se junto às presenças tu respiras

Talvez até te indagues
pelas agitações quando conquistas
Pois honrado fostes desde o primeiro dia


Depois respiras com quem respira
Acendes na pira onde chama o fogo
e muitos gritos são teus convivas
Cuidas sempre de dedilhar a lira
O castelo não é para o desvario

Emerges quando algo se afoga
Dás algo de aurora, algo de folga
se os dias moem e moem contínuos
E buscarás outro pouco de pétala

se emurchece a rosa do primeiro dia

Há o primeiro dia de cardume
e a honradez perfumada dentro dos ossos
Para que não falte ar aos limões
e o cálice de estrume não falte às rosas —

contínuos há os dias de lutares

@ Salomão Sousa

25 de novembro de 2007

A edição do Opção Cultural, editado pelo poeta Carlos Willian, em homenagem ao poeta José Godoy Garcia já pode ser conferida no endereço: www.jornalopcao.com.br e entrar no link Opção Cultura. Lá você vai encontrar o meu artigo, o do Alaor Barbosa, o do Brasígóis Felício, o do João Carlos Taveira e o de Juliana Godoy, neta do Godoy. E está confirmadíssimo o tributo ao Godoy Garcia, na Biblioteca Nacional de Brasília, nesta quinta-feira, 29, às 19.

Quero registrar aqui um texto que escrevi no Chuço, zine cultural que editei tempos atrás:


No livro Romance da Nuvem Pássaro, editado pela Casa José de Alencar, Francisco Carvalho dedica a mim o poema Corvos. Eu jamais poderia retribuir com o sarcasmo da palmatória ou com a ponta afiada do Chuço o gesto da amizade e da consolidada capacidade criativa. Vejamos o poema saureano de sua autoria:

Corvos

Para Salomão Sousa

Cria corvos, que os abutres
são sósias de homens ilustres.

À sombra da noite súbita
bebem o sangue da República.

Cria corvos com seus piolhos
que eles te arrancarão os olhos.

Cria corvos, que essas áspides
destruirão nossas lápides.

Cria corvos, corvos negros
pra maldição dos teus nervos.

Cria corvos, que essas feras
são os carrascos das trevas.

Cria corvos, que esses demos
farão ninho em teus poemas.

20 de novembro de 2007


Dia 29, às 19h, a convite do poeta Antonio Miranda, prestaremos tributo ao poeta José Godoy Garcia na Biblioteca Nacional de Brasília, que fica ao lado da rodoviária do Plano Piloto.


A convite de Euler Belém, preparamos material para edição especial do Opção Cultural, de Goiânia, editado pelo poeta Carlos Willian, para distribuição no dia do evento. Escreveram para edição Especial os escritores João Carlos Taveira, Alaor Barbosa, Brasigóis Felício, e a garota Juliana Godoy (neta do poeta homenageado). Como o Godoy é de Jataí, Goiás quer estar presente na homenagem.

Para a leitura dos poemas que ilustrarão nossa palestra, participação as jovens Juliana Godoy, Marina Godoy e Luana Oliveira. A homenagem ao José Godoy Garcia contará com a presença honrosa de Maria Rochael Garcia, esposa do homenageado.

O evento integra a série de homenagens a ilustres poetas brasileiros que a Biblioteca Nacional de Brasília vem promovendo desde o início do ano. Já foram prestadas homenagens a João Cabral de Melo Netto, Joaquim Cardoso, Marly de Oliveira, Anderson Braga Horta e José Santiago Naud.

8 de novembro de 2007


Na terça-feira, 13 de novembro de 2007, às 19 horas, no Café com Letras (203 Sul - Brasília), o amigo Francisco Kaq lança seu quinto livro de poesias. Editado pela editora Casa das Musas, DIZ, como informa o autor no realese de divulgação do lançamento, ainda tem predomínio do verso curto e do quase-verso, herança da poesia concreta. Estaremos lá para ver a ironia pós-c0ncreta.

6 de novembro de 2007

Tardiamente, registro aqui— com orgulho — o poema do meu amigo Lívio Oliveira, de Natal (RN). O poema foi lido na sessão plenário do Senado Federal — em Sessão Solene — de homenagem a Che Guevara, quando se comemora os 40 anos da morte desse herói revolucionário. Lívio, ainda ouviremos muito jazz, ainda acreditaremos muito nos movimentos que trazem as mudanças. E nos livros de poesia, às vezes cor de telha — que são a casa da alegria.


POEMA DA LIBERDADE

Livio Oliveira

Declaro, em mim,
e aos ventos e mares de Cuba,
toda a liberdade.
E o homem livre já vive o céu.
Aqui, na terra, o homem verdadeiramente livre
desenha os contornos de um céu
azul como o da Áfricaou dos sertões do Brasil.


Meu grito libertário já chegou à floresta da Bolívia
e, ao contrário do que pensam alguns,
não cessou.
Meu punho está firme,
pronto e rijo.
Já penso no próximo combate.

Travarei esse combate entre as palavras
e a ignorância.
Travarei esse novo combate entre o pão
e a fome.
Travarei esse velho combate entre a luz
e a obscuridade.


Lutarei, desesperadamente, sem sentir
qualquer dor.
Os meus amigos e camaradas
irão curar minhas feridas
com o bálsamo da verdade
e da honra.


Desafiarei os perigos
e correrei montanhas e todos os riscos.
Minha guerrilha não cessará
enquanto houver um homem,
uma mulher,
um velho,
uma criança,
sem casa,
sem chão,
sem o arroz da ilha
ou o feijão do continente.
Não cessará minha batalha
enquanto eu ouvir a canção
da Latino-América.


A fadiga não me alcançará,
enquanto – nas madrugadas –
eu sorver o orvalho fresco
e a seiva
que escorrem sobre as folhas
das árvores imemoriais da paz
e sobre a minha fronte sangrando.


Não interromperei minha luta
e minha gargalhada ainda ecoará,
apavorando meus algozes,
enquanto existirem povos
sem olhos para ver
o rumo certo,
sem ouvidos para ouvir
o poema da liberdade,
sem língua para gritar
e buscar, no fundo do peito,
o espírito altivo e forte
da AMÉRICA INDEPENDENTE!

Natal/RN/Brasil, 09 de outubro de 2007.

LÍVIO OLIVEIRA — Advogado Público Federal e escritor.Lançou seu primeiro livro em 2002, ''O Colecionador de Horas''(poesia).Em 2004, lançou uma pesquisa sobre livros e bibliófilos do Rio Grande do Norte, intitulada ''Bibliotecas Vivas do Rio Grande do Norte''. Em 2004, ainda, lançou ''Telha Crua'', livro de poesias vencedor do prêmio Othoniel Menezes- FUNCARTE- Natal/RN, daquele ano. Em, 2007, lançou o livro de haicais e poemas curtos ''Pena Mínima''.É o Diretor designado da Revista da OAB/RN.É ex-Presidente aclamado para a Diretoria Provisória da União Brasileira de Escritores, seccional do RN, tendo proposto junto à Assembléia Legislativa o Projeto da Lei do Livro do RN, já tramitando na Casa.

2 de novembro de 2007

Agora é definitivo.
Dia 29, às 19h, a convite do poeta Antonio Miranda, faremos uma homenagem ao poeta José Godoy Garcia na Biblioteca Nacional de Brasília, que fica ao lado da rodoviária do Plano Piloto. Paralelamente, estamos coordenando o material para uma edição especial do Opção Cultural, de Goiânia, editado pelo poeta Carlos Willians e por Euler Belém, para distribuição no dia do evento. Como o Godoy é de Jataí, Goiás quer estar presente na homenagem. Já confirmaram que escreverão matérias sobre José Godoy Garcia para a edição especial: Alaor Barbosa, Antonio Carlos Scartezini, João Carlos Taveira, Brasigóis Felício, e Juliana Godoy (neta do poeta homenageado). Para a leitura dos poemas que ilustrarão nossa palestra, estamos contando com a participação das garotas Juliana Godoy, Luana Oliveira (que está quase confirmando a participação junto com o Augusto).

Como sempre acordei muito cedo neste dia de Finados. Deixei rodando um DVD de Bob Dylan. E, ao ler o poema "Irmão", de José Godoy Garcia, fiquei pensando como uma certa juventude da pós-modernidade já nasce morta. Alguma juventude tem passado o tempo todo sem acreditar em nenhuma mudança, em nenhuma revolução, em nenhum herói. Vivemos uma época que não constrói mais heróis. Fico imensamente triste e até mesmo constrangido quando leio, por exemplo, uma crônica "esculhambando" com Che Guevara. Será que foi a juventude de meu tempo que foi mais idiota? Ainda continuo procurando ser "irmão de uma certa revolução", pois o pior é ser irmão de uma certa descrença, de uma certa apatia que não fará nenhuma mudança.



Irmão


José Godoy Garcia


Eu não fiz uma revolução.

Mas me fiz irmão de todas as revoluções.

Eu fiquei irmão de muitas coisas no mundo.

Irmão de uma certa camisa.

Uma certa camisa que era de um gesto de céu

e com certo carinho me vestia, como se me

vestisse de árvore e de nuvens.

Eu fiquei irmão de uma vaca, como se ela

também sonhasse. Fiquei irmão de um vira-lata

com o brio com que ele também me abraçava.

Fiquei irmão de um riacho, que é nome

de rio pequeno, um pequeno que cabe

todo dentro de mim, me falando,

me beijando, me lambendo, me lembrando.

Brincava e me envolvia, certos dias eu

girava em torno do redemoinho do cachorro

e do riacho e da vaca, sem às vezes saber

se estava beijando o riacho, o cachorro

ou a vaca, com um grande céu

me entornando, com um grande céu

com a vaca no lombo e com o cão,

com o riacho rindo de nós todos.

Eu fiquei irmão de livros, de gentes.

Eu fiquei irmão de uma certa montanha.

Irmão de muitos rios.

E fiquei irmão de uma certa idéia,

e tive sorte, não me assassinaram

como a milhares de meus irmãos,

e provei a mim mesmo

a minha fidelidade.

Fiquei irmão de muito cidadão de nome certo.

Fiquei irmão de uma certa bebida,

uma certa bebida que se chama ceva orvalhada.

Um ritual de estima: amigos, futebol, poesia,

minha doce donzela de vestido amarelo

e mais as outras tantas donzelas

de vermelho, grená, cinza, branquelo,

os vestidos mais belos e os mais singelos!

Eu gosto de mim, de meu porte nem sei,

de minha doce e embalante imaginação,

de minha frágil e destemida poesia.

1 de novembro de 2007

Minha visita à Academia Piracanjubense de Letras e Artes


Na foto: Herondes Cézar, Francisca, Lídia Arantes Borges e Salomão Sousa

Numa solenidade que ficará gravada eternamente nas minhas memórias especiais, a Academia Piracanjubense de Letras e Artes, por proposta do amigo Herondes Cézar, recebeu-nos no último dia 26 de outubro para um debate sobre a importância da literatura e de outras manifestações culturais para maior integração do jovem no processo social.

Ao evento compareceram muitos professores e acadêmicos. Pela leitura das atas das sessões anteriores, pudemos notar que a Academia Piracanjubense promove debates vivos e oportunos, e cabe elogiar a sede acolhedora. Com instalação da galeria dos patronos e respectivos ocupantes das cadeiras, a sede ainda ganhará maior brilho. Nossos parabéns ao presidente da academia, José Divino Alves, e a todos os demais membros!

No debate, destacamos a necessidade de os municípios desenvolverem projetos de inserção cultural da juventude para afastá-los, sobretudo, do alcoolismo, com indicativos de revitalização de cinemas, criação de cineclubes caseiros, ofertas de aulas de música, incentivo à criação de centros de dança — por aí, por aí —, até a motivação para o surgimento de agremiações juvenis voltadas para a cultura (e lembramos o PALAS, grupo de jovens de Silvânia, com atuação vitoriosa sob a coordenação do professor Edmar Cotrim). Pois o poder público e as famílias só estão oferecendo aos jovens a opção pelo alcoolismo. As famílias não estão levando a cultura para dentro de casa.

No dia seguinte, o amigo Herondes Cézar apresentou a cidade para mim e para a Francisca. Indicou os pontos históricos, com destaque para os prédios que abrigaram os antigos cinemas — já que escreveu um livro sobre a história do cinema em Piracanjuba.

Visitamos a escritora e pintora Lídia Arantes Borges, que já presidiu por duas vezes a Academia Piracanjubense de Letras e Artes. A sua casa aconchegante é parte de um grande jardim, e, parte deste jardim, são as lindas pinturas a oleo feitas por ela! Ficamos deslumbrados — quase não saímos de sua casa! Estou aqui com seus dois livros de poesia — As cores do outono e Raiz goiana. Como o título de seu livro indica — trata-se de poesia de sagração da vida e da terra goiana.

A poesia de Lídia Arantes Borges colabora com o tema que tratamos na academia. No poema “Biscoito goiano”, ao lembrar da casa da avó, ela diz que as crianças “Perdem tão cedo a inocência, /que incoerência, /reina o individualismo”. Mas resta uma esperança, pois ela diz noutro poema: “A trilha é estreita e pedregosa, /mas ainda há luz,/ preciso caminhar”.

23 de outubro de 2007

REORGANIZAÇÃO DO PROCESSO CULTURAL

Texto que escrevi especialmente para a próxima edição do jornal "A VOZ", de Silvânia (GO):

Estive em Silvânia a convite do PALAS para fazer palestra no Omelete Cultural. Fábio Coutinho, grande amigo daqui de Brasília — advogado, intelectual conceituado, membro de entidades culturais da Capital, descendente da família de Afrânio Coutinho — a meu convite e do PALAS, também compareceu à cidade preparadíssimo para palestrar (graciosamente) no mesmo evento. Ele saiu de Brasília de manhãzinha somente para apresentar o oportuníssimo tema “Constituição e cidania”.

Em que pese a divulgação através de convites individuais, da convocação dos estudantes e professores, e de debates no Giro da notícia, as palestras foram canceladas por total ausência de público. Excetuando os membros do PALAS, não compareceu sequer “um” ouvinte para recepcionar os pales-trantes convidados.

Com a suspensão da palestra, passei toda a manhã do domingo na frente da UEG, e, enquanto as crianças participavam das atividades infantis e os bem-te-vis faziam alvoroço no dia de chuva preguiçosa, fiquei refletindo sobre o comportamento do homem pós-moderno (não só do silvaniense) — já que esse era o tema que abordaríamos em nossa palestra abortada.

Sentado ali na frente da UEG, com a maravilha de um flamboaiã florido atrás de um muro (quem não compareceu à palestra, poderia pelo menos ir lá, num gesto humano de beleza, contemplar o flamboaiã), reli várias vezes o poema de Kaváfis, que iria ilustrar a minha palestra. O poema mostra como o indivíduo que não constrói a vida na sua pequena cidade também a destrói no resto do mundo. E algo doía dentro de mim: quanto jovem se destruindo em tantas cidades brasileiras e ficando sem a possibilidade de conquistar o resto do mundo.

Nas reflexões, lembrei-me de todas as minhas leituras sobre a condição da pós-modernidade, sobretudo dos livros de Gilles Lipovesky. Lipovesky, em seu recente livro A sociedade da decepção, trata do indivíduo que se frustra por não ter se envolvido com o processo cultural do seu tempo — e não da decepção menor de ficar abandonado num evento, no ex-bairro das Pedrinhas, onde passei tantas vezes carregando os livros de minhas primeiras leituras, quando saía pelos fundos do ginásio.

Pensamos ali na manhã chuvosa o quanto é frustrante constatar que a inapetência cultural tenha chegado às pequenas cidades como Silvânia. Po-demos prever que, sem se envolver com o questionamento de seu tempo, a atual geração de jovens vai se transformar nos homens “decepcionados” com o mundo futuro, pois, pela ausência de participação, pela ausência de formação cultural, é uma geração que não estará preparada para construir o mundo que será a sua casa no futuro. Só não me decepciono com aquilo que construo. Se hoje sou um alcoólatra, amanhã terei um organismo doente; se hoje eu não me preocupo com a formação, terei menos possibilidade de construir a economia e a política futuras. Entendemos, inclusive, que os pais também são criminosos quando não motivam e não exigem a participação cultural de seus filhos. O filho sem cultura é o candidato ao alcoolismo, à droga, ao roubo, à morte no trânsito, à balbúrdia urbana. Os pais têm de levar os filhos pela mão até a cultura. Caso contrário, outras mãos vão levá-los para destinos bem menos promissores e, com certeza, totalmente desesperadores.

Há muito tenho me preocupado com o egocentrismo da pós-modernidade, mas acreditávamos que se tratasse de fenômeno restrito às grande metrópoles, onde se concentra a informatização e o enclausuramento do indivíduo para fuga da violência. (O egocêntrico da pós-modernidade —só mesmo para entendimento— é o indivíduo que acredita que tudo está atuando só para ele, portanto o “eu” é o centro, que ele não precisa participar, que não precisa atuar, que não precisa ser agente de modificação do mundo, pois acredita sempre que o “outro” está preparando o paraíso para ele. Aí vem a decepção prevista por Lipovesky em seu novo livro: como a totalidade dos homens são egocêntricos, homens sem participação humana, que não se preocupa com ordenamento político, a sociedade entra em total desarranjo, e todos acabam numa tremenda decepção. Portanto, além de apostar no fracasso do outro, o indivíduo da pós-modernidade não está se construindo culturalmente.)

Não era meu propósito escrever este artigo. Nenhum rancor me move a fazê-lo. Até dos eventos frustrados nascem as flores amorosas da aprendizagem. Move-me a admiração pelos jovens que se agrupam no PALAS. Tanto o movimento é importante que tenho amigos hoje bem realizados que saíram da primeira edição do PALAS. Um jovem que participa de uma entidade, aprende a trabalhar em equipe, a dividir questionamentos, a pensar o seu local na sociedade. Em equipe, o jovem quebra o próprio egocentrismo.

E digo mais: persistam. Se cuspirem nos vinte, se forem esbofeteados pelos 300 — persistam. Não temam atuar dentro e fora da cidade. Como diz o poeta, vocês são imprescindíveis.

Se dez aprendem a fazer uma flauta numa oficina; se as crianças dançarem e rirem e se abraçarem, não terá sido em vão o Omelete Cultural. A nova juventude tem de nascer assim: pela dança e o canto das crianças.

Venho sugerindo aos parlamentares goianos — poderia ser para todo o território nacional, mas é em Goiás que está a identidade do meu DNA — que preparem cartilhas a serem distribuídas a todos os municípios, com indicativos de projetos que criem opções culturais para a juventude. Revitalização de cinemas, criação de cineclubes caseiros, ofertas de aulas de música, incentivo à criação de centros de dança — por aí, por aí —, até a motivação para o surgimento de agremiações juvenis voltadas para a cultura (tipo assim, PALAS).

Não teremos a reorganização da identidade nacional, e muito menos de uma identidade política, sem reorganização do processo cultural.

19 de outubro de 2007

Quase poema




Bambus da mata do Ginásio Anchieta, em Silvânia.
E amanhã lá estarei







Talvez só com pés para pairar
sobre a presença em que respiras
Talvez por isso indagues
por ruídos bem antes esquecidos
Aí amastes no primeiro dia

Depois só a conspiração
Não deixar que virasse só reparos
Apagar se muito fogo estalava
Se muitos gritos assumiam a farsa
cuidavas de vir o repouso às alas
O castelo não é só do desvario

Não permitir só primavera só solstício
Afundar-se quando algo se afoga
Dar os instante de folga
se a roda mói e mói contínua
E acharás outro pouco de rosa
se emurchece a rosa do primeiro dia

Há o primeiro dia de cardume
e languidez perfumada sobre os ossos
Para que não falte ar aos limões e às rosas
há depois os demais dias de lutares

11 de outubro de 2007

Ainda que ao desamparo dos rijos esteios
e os tesouros esquecidos dos guias
e — sangrentas — as palmas arquejem
Visitarei

Não destruí as muradas da sorte
Erguem-se para desvio
dos inimigos que possam
trazer as fáceis algemas
Visitarei

Deixei os cântaros da água pro vinho
Enchi de gemas e pedrarias
as paredes amigas do tempo
Harpejos ao visitante nos anúncios da areia
Visitarei

Sempre os arranjos de uma viagem
com arreios de jaez invejável
Contarás onde esquentastes as veias
onde ciúmes deixavas
Visitarei

Ainda que eu chegue com as secas castanhas
e no butim só as façanhas do mofo
Contarás o quanto querias
os pulsos inteiros
Para as festas onde erguestes os salões
Onde achastes os guerreiros
Visitarei

5 de outubro de 2007

Estou com um pequeno livro da Emily Dickinson
editado pela L&PM, em em tradução de Ivo Bender.
Gostei muito da seleção dos poemas
ou mesmo da leveza que ele deu aos textos.
Muitos querem atravessar uma dificuldade
que Emily Dickson não tem.
Mesmo assim ainda introduzi,
com a minha experiência campestre,
umas quatro alterações
para que a leveza ainda mais se manifestasse.


Bem pouco a fazer tem o pasto;
Reino de simples verde,
Só com borboletas para criar,
E abelhas para entreter –

E ondular o dia inteiro aos tons
Que a brisa consigo arrasta;
Cumprimentar a todas as coisas
E embalar, ao colo, a luz do sol –

Fazer com orvalho, à noite,
Colares de pérolas com tal fineza,
Que uma fidalga não saberia
Perceber que não é falso –

E acabar-se — ao atravessar
Por entre odores divinos –
De especiarias adormecidas –
Ou de nardos, agonizantes –

Enfim, quedar-se em nobres celeiros –
E, em sonho, passar os Dias;
Bem pouco a fazer tem o pasto,
Feno eu quisera ser

Uma horas dessas eu termino esse poema

Há os que amam entre muitos
que atravessam toda a lama
O corpo em sessões de prazer
Cintila aromas de crostas secas
e ruibarbos de saúde inflamados

Há os que uivam
aos que não foram devassos
Perdidos que estavam
com as jornadas de Mecas
Em turnos perdidos
em horas de curvas e curvas

Lá estão, lassos lassos,
os que amam com as trapaças
E eu que não fui um dos 300
se me sedavam os arames
das horas curvas das horas curvas

4 de outubro de 2007


Eu estava pesquisando a história do grupo Weather Report, e bato de testa com a notícia da morte de Joe Zawinul ocorrida a quase um mês, em 11 de setembro. Passou tão desapercebida que não posso deixar de registrar aqui a morte desse jazzista que tanto prazer me dá com seus discos pessoais, com aqueles que gravou com o seu grupo Weather Report e mesmo com a participação em discos de Miles Davis, principalmente nos antológicos In a Silent a Way (que leva o título de uma música de sua autoria) e Bitches Brew. Ele é destas personalidades que surgem para mudar os tempos.

Aproveito aqui o texto de uma agência de notícias, da qual discordo apenas no que diz respeito à origem do jazz fusion. Para mim, o início se deu com In a silent way e não com Bitches Brew. E estes dois discos serviriam de base para tudo que o Weather Report, os grupos de Herbie Hancock e outros "funk" viriam a fazer depois.

VIENA - Morreu aos 75 anos, em Viena, Áustria, o tecladista de jazz Joe Zawinul, fundador, com Wayne Shorter, de um dos mais importantes grupos do gênero, o Weather Report, em 1970, banda que criaria o que ficou conhecido como jazz fusion. Zawinul foi eleito 30 vezes o melhor saxofonista do jazz pelos críticos da revista Down Beat (inclusive este ano). Ele morreu de uma forma rara de câncer de pele, segundo noticiou a agência de notícias APA. Joe Zawinul nasceu em 7 de julho de 1932 no tempo terrestre, e morreu em 11 de setembro de 2007 no tempo eterno. Ele vive para sempre", disse seu filho Eric. O austríaco Zawinul está na origem da fusion, que foi esboçada originalmente no disco Bitches Brew, de Miles Davis, em 1969, que aproximava o jazz do rock. A música do Weather Report sempre soa crua e no limite, e real", diz o saxofonista Joshua Redman, que tocou ontem em São Paulo. "E isso não acontece com a maior parte das outras músicas fusion, especialmente a fusion que veio depois do Weather Report. Nasceu em Viena, e cresceu num distrito operário da cidade, Erdberg, durante a era nazista. Seu primeiro instrumento foi o acordeão, antes de entrar para o Conservatório de Viena. Teve como amigos de juventude o ex-presidente austríaco Thomas Klestil e o pianista Friedrich Gulda. Em 1959, ganhou uma bolsa de estudos para o Berklee College of Music, em Boston, e a partir dali iniciou sua vida americana, junto aos grupos da cantora Dinah Washington e do saxofonista Cannonball Adderly. Uma vez, Miles Davis entrou no Birdland, em Nova York, decidido a contratá-lo. E o fez. Dez anos depois, Zawinul compôs In a Silent Way,que se tornou a faixa que catapultou o disco de Miles Davis em direção a um novo cruzamento entre jazz, rock R&B e funk. Muitos grupos surgiram a partir dali: Os Headhunters de Herbie Hancock, o grupo Lifetime de Tony Williams, o Return to Forever de Chick Corea e a Mahavishnu Orchestra de John McLaughlin. A música fusion acabou se tornando parte da música pop internacional nos anos seguintes. Com Wayne Shorter, Zawinul fundou o Weather Report, com o qual gravou 17 álbuns. Uma das canções do grupo, Birdland, ganhou Grammys em três décadas distintas - pela versão original e pelas gravações de Quincy Jones e Manhattan Transfer. Nos últimos 20 anos, ele tocava com seu próprio grupo, The Zawinul Syndicate, que esteve em Florianópolis num festival de jazz, em 1996, ao lado de Betty Carter e outros notáveis. Ele fundou um clube também chamado Birdland em sua Viena natal, onde tocava.O prefeito de Viena, Michael Haeupl, disse que o corpo de Zawinul seria sepultado com um funeral de honras em Viena.

2 de outubro de 2007

A convite da Academia Piracanjubense de Letras e Artes, irei ainda neste mês, com o Herondes Cézar e Robson Corrêa de Araújo, a Piracanjuba (GO) para diálogo com os membros da entidade, às 20 horas do dia 26. A academia é dirigida por José Divino Alves. Eu e José Godoy Garcia estivemos a alguns anos atrás em Piracanjuba, numa visita de funda saudade que foi ciceroneada pelo piracanjubense Herondes Cézar.
Com estas primeiras chuvas, prenuncia-se uma viagem carregada do verde cerrado goiano. Talvez ainda não estejam floridos os pequizeiros, mas certamente avistarei ao longe algum ipê florido nalgum resto de mato.
Quero me desculpar com aqueles que vem comparecendo a este blog e têm "dado de testa" (expressão goiana para lembrar minhas raízes) com notícias envelhecidas. Peço desculpas ainda ao Vassil Oliveira (amigo de Goiânia) e ao poeta Wilmar Silva (amigo de BH) pelo atraso em responder as entrevistas que me encaminharam. Com a minha participação em alguns eventos, acabei me atrapalhando com outros compromissos, inclusive com a atualização do blog.

No dia 10, tenho uma participação numa casa noturna da SQN 312, às 20 horas.
Nos dias 19/21, em Silvânia (minha terra), acontece o Omelete Cultural promovido pelos jovens da cidade. Estarei indo pra lá com o Robson Corrêa de Araújo e com Fábio Coutinho. Faremos oficinas de literatura, fotografia e comportamento social.
E, no dia 26, estarei em Piracamjuba a convite da Academia Piracanjubense de Letras e Artes (ver box acima).

13 de setembro de 2007

Terças Literárias

Dentro do projeto das "Terças Literárias", no dia 25 de setembro, a partir das 20 horas, no auditório da Associação Nacional de Escritores ((SEP SUL 707/907), faremos uma palestra sobre "A experiência da poesia brasileira a partir de Mário Faustino".

Um poema de Mário Faustino:

SONETO

Necessito de um ser, um ser humano
Que me envolva de ser
Contra o não ser universal, arcano
Impossível de ler

À luz da lua que ressarce o dano
Cruel de adormecer
A sós, à noite, ao pé do desumano
Desejo de morrer.

Necessito de um ser, de seu abraço
Escuro e palpitante
Necessito de um ser dormente e lasso

Contra meu ser arfante:
Necessito de um ser sendo ao meu lado
Um ser profundo e aberto, um ser amado.

SARAU DA PRIMAVERA para o Guiness

Toda a comunidade poética de Brasília estará envolvida com "SARAU DA PRIMAVERA - 100 HORAS DE POESIA NA RODA", promovido pelo Coletivo de Poetas, de 19 a 23 DE SETEMBRO DE 2007, das 20h de quarta-feira, 19, à meia noite de domingo, 23, no Clube da Imprensa (Setor de Clubes Norte de Brasília, fone 3306-1156), com vistas a integrar o Guiness como a mais longa jornada contínua de leitura e debate de poesia. A coordenação é do poeta Menezes y Morais, nosso amigo de data longeva.

Registramos a programação do dia de nossa participação:

Dia 21, sexta-feira, das 19h30m às 22h30m
Poetas Salomão Sousa, Carla Andrade, José Edson dos Santos, Coletivo de Poetas e Quarteto. Salomão Sousa fala um pouco do seu trabalho e relança o livro Safra Quebrada (obra reunida e escolhida), com sessão de autográfos e recital do autor. Carla Andrade autografa o livro Conjungação de Pingos de Chuva, com recital. O Quarteto é formado por Nayla Reis, Fernando Martins, Laura Moreira e João Batista Ferreira. Nayla Reis eJoão Batista Ferreira homenageiam o poeta Fernando Pessoa e Clarice Lispector. Laura Moreira presta tributo a Florbela Espanca e Fernando Martins faz o fundo musical. José Edson dos Santos relembra o poeta Murilo Mendes e o Coletivo de Poetas realiza rodas de leituras de poemas de Luiz Vaz de Camões, Gonçalves Dias e H. Dobal.

10 de setembro de 2007

Comparecemos ontem à Feira do Livro de Brasília, em seu último dia. Alegra-me ver as crianças e os jovens folheando os livros, disputando com os pais a aquisição de algum exemplar.
Reconheço que a Feira precisa alterar alguns quesitos para ampliar os espaços. Os stands estão muito pequenos e gerando muitos atropelos para os visitantes. Aí acaba desanimando os pais a levarem os filhos ao local. Talvez tenham de aproveitar o espaço que fica em frente à antiga Rádio Nacional (mas parece que está prevista uma obra naquele local). Mas também não sou engenheiro e nem entrevistei um para colher opinião sobre isso. O importante é que é necessária a abertura da feira, pois os visitantes precisam de mais espaço e também de outras atrações. A Feira está com a mesma cara em todas as suas edições.
Foi bem sucedida a série e debates do Café Literário organizada por João Carlos Taveira com poetas da cidade. Agradeço o convite para participar do ciclo. Considero um sucesso a noite que foi dedicada à minha poesia e à do Francisco Kaq, que se revelou um companheiro extraordinário.
Meu abraço à Pollyanna, da Livraria Quixote, que manteve vida à festa. E abraço todos com quem conversei durante as vezes que ali compareci. A feira é também um local de confraternização. Aliás, cultura é confraternização. Serviu até para que o Euler Belém viesse à minha casa, pois, após visitar a feira, passou uma tarde e minha casa.
Aguardemos a próxima edição, que se prenuncia com a realização de um Festival Internacional (ou Latino-Americano) de Poesia, a ser promovido pela Biblioteca Nacional paralelamente à Feira.
Comecemos a trabalhar, antecipadamente, para falarmos mais de Poesia em vezes de gatos ou de lebres.

30 de agosto de 2007

Vai haver faiscada, de palavras e de espadas.
O painel dos inimigos está programado.
Não se entendem, não se visitam.
Os painelistas não se olham, não se falam.
Não pisam na estrada por onde outro já passou.
Um já tem a língua cortada;
outro, as obras queimadas;
outro, a bunda esfolada.
E vão se sentar na mesma mesa
com as armas carregadas.
Quem aparecer sairá chamuscado.



03 de Setembro

20h30 - 22h: Projeto de Poesia - Francisco Cacq e Salomão Sousa, apresentação: Fabio Coutinho, mediadores: Brasigois Felicio, Antonio Miranda, Donaldo Mello

26ª Feira do Livro de Brasília
Abertura no dia 31 de agosto
Pátio Brasil (Térreo)

Café Literário (auditório AUTO DA COMPADECIDA)

20 de agosto de 2007

INICIAÇÃO

Orides Fontela

Se vens a uma terra estranha
curva-te

se este lugar é esquisito
curva-te

se o dia é todo estranheza
submete-te

— és infinitamente mais estranho.

16 de agosto de 2007

Morrem os homens, e poucos deixam suas lendas.


Max Roach, um dos bateristas que — ao lado de Art Blakey — mais marcaram a história do jazz, morreu nesta quinta-feira, 15 de agosto de 2007, aos 83 anos, num hospital de Manhattan. Nos últimos anos já estava afastado da atividade musical devido a uma enfermidade cerebral (hidrocefalia). Suas últimas sessões de gravação são de 2002.

Ficam suas impecáveis gravações, que começaram em 1943, para a editora Apolo, ao lado de Coleman Hawkins. Trabalharia depois na orquestra de Benny Carter, e no quinteto de Dizzy Gillespie. Em 1945, Max Roach já participava do círculo mais importante do jazz, principalmente por integrar o combo de Charlie Parker.

Em 1952, fundou com Charles Mingus, a Debut Records, que lançou a sua primeira sessão como líder, e participou do histórico concerto no Massey Hall ao lado de Mingus, Parker, Gillespie e Bud Powell (está registrado em disco como The Quintet). Em 1954, Roach formou um quinteto que incluía o mítico Clifford Brown, recomendado por Gillespie alguns anos antes. Este quinteto realizou diversas gravações memoráveis e que definiram os pilares do hard bop dos anos 50.

De suas gravações como líder, destaca-se "We Insist! Freedom Now suite", uma suite com texto Oscar Brown Jr. para responder ao convite de contribuir à comemoração do centenário da "proclamação de emancipação", de Abraham Lincol. Em 1980, gravou "M'Boom", um álbum só de percussionistas (Ray Brooks, Joe Chambers, Omar Clay, Ray Mantilla, Warren Smith Freddie Waits, Kenyatta Abdur-Rahman, Fred King). É importante ressaltar "Money Jungle", de 1962, com um trio composto por Charles Mingus e Duke Ellington.

7 de agosto de 2007


Visitando a página de minha cidade,
não resisti em transcrever para cá
este quadro de Ana Maria Bronca,
pois despertrou em mim uma enorme saudade
dos girassóis que cresciam nos quintais
de minha infância.

6 de agosto de 2007

Pela décima, sei lá quantas vezes, tomo para ler o romance À sombra do Vulcão, de Malcolm Lowry (só o nome do autor já é um poema concreto - quatro l's e os dois m's que circundam o primwiro nome). A epígrafe deste romance é um trecho da Antígona, de Sófocles. Trata-se umas das coisas mais comoventes que já li na minha vida. Deixo aqui uma tradução de forma mais clássica (a que está no romanmce da LPM é mais popular, certamente adaptada pelo poeta Leonardo Fróes). Em qualquer tradução, comovente!

Muitos prodígios há; porém nenhum
maior do que o homem.
Esse, co’ o sopro invernoso do Noto,
passando entre as vagas
fundas como abismos,
o cinzento mar ultrapassou. E a terra
imortal, dos deuses a mais sublime,
trabalha-a sem fim,
volvendo o arado, ano após ano,
com a raça dos cavalos laborando.
E das aves as tribos descuidadas,
a raça das feras,
em côncavas redes
a fauna, apanha-as e prende-as
o engenho do homem.
Dos animais do monte, que no mato
habitam, com arte se apodera;
domina o cavalo
de longas crinas, o jugo lhe põe,
vence o touro indomável das alturas.
A fala e o alado pensamento,
as normas que regulam as cidades
sozinho aprendeu;
da geada do céu, da chuva inclemente
e sem refúgio, os dardos evita,
de tudo capaz.
Ao Hades somente
fugir não implora.
De doenças invencíveis os meios
de escapar já com outros meditou.
Da sua arte o engenho subtil
p’ra além do que se espera, ora o leva
ao bem, ora ao mal;
se da terra preza as leis e dos deuses
na justiça faz fé, grande é a cidade;
mas logo a perde
quem por audácia incorre no erro.
Longe do meu lar
o que assim for !
E longe esteja dos meus pensamentos
o homem que tal crime perpetrar

Antígona (333-376). Tradução de Maria Helena da Rocha Pereira. Coimbra: Instituto Nacional de Estudos Clássicos, 1992. Todas as nossas citações da obra referida serão desta edição.

25 de julho de 2007

Ao preparar o verbete do poeta Jesus Barros Boquady para inclusão na página virtual do Antonio Miranda (www.antoniomiranda.com.br), notei que um de seus poemas certamente terá sido a gênese para a música "Construção", de Chico Buarque, que está no disco homônimo de 1971. O poema de Jesus Barros Boquady saiu em 1964 no livro A Poesia em Goiás, de Gilberto Mendonça Teles. Em ambas peças, a presença integrada do operário com o edifício em construção e a cidade. É claro, no poeta goiano, a cidade ainda é verde, mas, para o compositor paulista, a cidade é mais asfáltica. Fica a análise aprofundada para as autoridades em intertexto (o próprio Gulberto Mendonça Teles é uma delas).

MORTE EM TRABALHO CONSIDERADA


Jesus Barros Boquady



em qualquer que seja a lida
há lances de queda, ritmo
que se perde em segmentos,
choque de aço no crescer
dos edifícios,
polias
fervilhantes,
com as lixas
percorrendo as faces ásperas
da madeira não mais virgem,
nervos,
sangue,
coração
de repente pára a vida,
um gesto que se interrompe,
o corpo tomba no espaço,
os braços vibram na luz
que subtrai silhuetas
e,
no declive,
paisagens
correm enquanto crescendo
o chão aguarda calado
o fruto que se desprende
dos galhos com parafusos
e soldagens de oxigênio
ligados ao tronco alado
do edifício em construção,
que sobe,
buscando as tardes
onde quer que elas se escondem,
pois as tardes vêm de cima,
envoltas em cinza e brasa,

ou só cinza quando chove
há caminhos que se traçam
no aclive, na descoberta
do espaço,
as vigas montadas
na invasão do quase vácuo,
mundo onde existem a brisas,
esses alimentos de pássaros
irmãos em asas dos anjos

os olhos, voltando vêem
lembranças de seus estágios
nos andares construídos,
onde se urdiram os sonhos
nas escaladas do céu,
o terraço,
a sombra,
a fome
sentida na hora do almoço,
a vontade de ir além
do andaime,
no elevador,
tocar as nuvens lá em cima,
olhar a cidade,
chão
em que deslizam os homens

dentro de instantes é a morte,
o baque surdo no asfalto,
a morte melhor que é,
morte em tempo passado,
e já — porque veio — aceita,
por isso considerada
em trabalho, mais nada

os olhos se comprimiram,
ao duro encontro da morte
as retinas se partiram

o verde dos olhos desce
agora mesmo da vida:
derrama-se pelo chão,
confunde-se com a grama
entre cal,
terra e cascalho,
em verde humano,
mas verde.


Jesus Barros Boquady nasceu em Crateús (CE), em 22 de abril de 1929, mas foi em Goiás que passou a maior parte de sua vida e onde cristalizou a parte mais importante de sua obra. Os últimos anos de sua vida foram passados em Brasília, cidade em que se aposentou por serviços prestados à Câmara dos Deputados e em que veio a falecer. Em Goiânia, bacharelou-se em Direito pela Universidade Federal de Goiás e licenciou-se em Letras Modernas pela Faculdade de Filosofia. Na capital goiana, atuou no jornalismo como redator e secretário de redação da Folha de Goiás, redator do Diário da Tarde e do Diário do Oeste, dirigindo suplementos literários desses jornais antes citados e do Jornal de Notícias. Membro da Associação Nacional de Escritores, em Brasília. Foi um dos primeiros a fazer experiências concretistas em Goiás, e parte de sua obra está inserida conceitualmente na Geração de 45, sobretudo pelo seu livro de estréia, que traz traços cabralinos. Trata-se de uma poesia que, inegavelmente, contribuiu, pela ousadia de abarcar avanços estilísticos em prática em outras regiões, para oxigenar com o ar da modernidade a poesia goiana.
Bibliografia: O cego, Bolsa de Publicações da Associação Brasileira de Escritores/seção de Goiás, 1959; Goiânia: sonho & argamassa, Companhia Editora Social Indústria e Comércio, 1959; Gagárin e Shepard/combateremos o sol, s/editora, 1961; Canções do adivinho, 1968; e Romanceiro Goiano, s/editora, 1971.

22 de julho de 2007

Novo poema

Se há ruídos detenções nos hangares
fuselagem mãos em carvão nos entrepostos
explicações às dúvidas de Orfeu
não vêm com os torsos de morte ou de alegria

Se há amplidão, fora de mim ela se esgota
E não há outra procura, outras perdições
Se houver outros guerreiros, outros heróis
em minha história não transitam

Não digladio com as ferramentas dos cuteleiros
E certamente forjam com fogo
e certamente martelam martelam
à espera dos guerreiros

Não me irradio com as lâmpadas
que certamente trouxeram ao Levante
Deixei-me sem a combinação das palavras
Deixei-me sem balas e o bônus de uma mão

Se há lugares para ilustrar plumas de explosões
fora de mim tudo se ilustra
Se há pólvora e se há herói
fora de mim tudo pensa fogo e tudo vence

@ Salomão Sousa

10 de julho de 2007


Poxa, este meu blog completou um ano e nem teve comemorações!!!

Escrevi hoje para a página virtual de Silvânia (www.silvaniense.com.br) uma pequena croniqueta para afirmar a necessidade de esta cidade histórica estar presente, de forma mais precisa, na consciência dos brasileiros. Abraços ao Cleverlan. E obrigado ao Antonio da Costa Neto pela foto da igreja.


No final da década de 60, a ditadura decidiu investir algum resto de recurso no interior do País para disfarçar suas perseguições políticas. Silvânia já perdera filhos nas guerrilhas e sequer notou que aquelas sobras de orçamento chegavam para investimentos que desfigurariam ainda mais o seu retrato histórico. Com a construção de monstrengos de concretos na praça do Rosário — uma passarela que não leva a lugar nenhum (cansei de subir e descer e retornar sem nada encontrar) e uma fonte luminosa que até hoje deve dar dor de cabeça aos administradores para que permaneça ligada —, mais patrimônio histórico foi ao chão.

Naquela época, eu estava saindo das calças curtas, sem ninguém para me orientar para lutas mais específicas que mirassem o patrimônio histórico. Consegui, com minha pouca desconfiança de princípios de cidadania, publicar o primeiro poema, que retratava o desconforto de perder o coreto, a torre do relógio e as árvores centenárias. Ainda que sejam replantadas, não serão as mesmas as murtas que recendiam odores adocicados sob a pouca luz elétrica produzida pela usina municipal.

Agora Silvânia está até no ambiente virtual, com as paredes da igreja do Senhor do Bomfim remoçadas de branco. Na praça em frente, onde foi o antigo cemitério, as crianças — e, entre elas, eu —, em meio à poeira, jogavam conflituosas partidas futebol. Nos fundos, naquele pequeno círculo fechado por grosso muro de barro, brincavam com fincas e com bolinhas de gude. Aboletavam-se sobre o muro quebrado, olhando a fundura do Buraquinho, imaginando quanto ouro expatriado, quantos escravos mortos para arrancá-lo. Ali, esvaziadas de riqueza, coçando as perebas.

Torço para que esta ambiência virtual contribua para a formação da consciência cidadã das novas gerações silvanienses. E digo mais: novas gerações que se preocupem com a saúde física e cultural. Sempre me lembro do Japão do pós-guerra: encaminhar-se para a modernidade sem extinguir as raízes históricas.

Desejo longevidade à página e aos mantenedores. Parabéns.

5 de julho de 2007

poema de VANESSA PAIVA, amiga de Juiz de Fora (MG

Eu quero saber do que está perto,
Do que quase me toca, sopra, venta

Eu quero saber do que me cheira,
Me olha, me atenta, e aqui estou, à mostra

Eu quero saber do que não importa
Aos grandes, mas do que ficou na gaveta
Do que cheira guardado – pó – do que está
Por debaixo das coisas

Eu quero saber dos rascunhos, das palavras ditas,
Dos gestos no ar, das despedidas, dos
Abraços lançados via vales-presente, desenhos de beijos,
mensagens telegráficas, gravadas, audiovisuais,
Vídeo-tele-conferência, centrais, webcams, cartões postais gerais (qualquer lugar).
Dessas coisas de banca, esquina, lan, grandes salas, teatros, escolas, todos os não lugares, lugar nenhum.

Que são esses lugares? Que me trazem? Por onde saio?

Quero saber o que é isso que me provoca e me fere,
Isso que não se deixa ver
Mas que, escancarado, me engole.

E salto, sim, para o fundo.

3 de julho de 2007

lançamento em Silvânia

A caravana pegou a estrada para o lançamento do meu livro "Safra Quebrada", em Silvânia, no último dia 30 de junho. Vários amigos foram para o evento — Antonio Miranda, Fábio Coutinho, Robson Correa de Araújo, estes dois últimos com as esposas Bizé e Beth. De Goiânia, não podiam faltar Vassil Oliveira e Euler Belém, e eles fizeram a caravana de Goiânia.
O evento seguiu o script. O Palas, sob a batuta do Edmar Cotrim, emocionou todos os presentes. Arrancaram sangue deste poeta. Maravilhosa a decisão de fazer banners com meus poemas para exposição itinerante em escolas e em órgãos públicos.
O Célio Silva nos chamou para o "Giro da Cultura", na Rádio Rio Vermelho, que ele dirige. Uma hora e meia de debate sobre a imprtância do Palas como agente disseminador e formador de cultura. Tá gravado.
Deixo os detalhes da festa para outros divulgarem e analisarem. Como homenageado, sou suspeito. Mas foi uma festa insuspeitável!
De nossa estadia em Silvânia, escolhi cinco fotos para ficarem gravadas na memória.
Antes de tudo, as folhas sobre as águas, vazadas pela luz do sol. Assim começou a minha poesia.
Depois, eu e o Antonio Miranda escorados no Beco da Dona Nina. Por aqui, escapei muitas vezes para o rio Vermelho, para a cerâmica e para a Serrinha.
a 3ª foto, da Carol. Leu toda a minha poesia. Deve ser por isso que ela aparece aí tão reflexiva. Ela fica aí representanto todo pessoal do Palas.
A 4ª, uma foto do beiral com buchas. Esta é uma paisagem que trouxe sempre comigo, quando me lembro de Silvânia.
E a 5ª, a minha esposa Chiquinha, com o Vassil, no meio da Rua. A família e os amigos de Goiânia.
Menos a foto das folhas sobre a água, que é minha; as demais são do poeta e fotógrafo Robson Corrêa de Araújo.
Ficam faltando as fotos das caminhadas, do Giro da Cultura e do próprio lançamento. Mas, tanta coisa, fica apenas a representatividade.




Dois lançamentos de livros nesta semana, de autores de Brasília.

No sábado, dia 7 de julho, a partir das 18 horas, lançamento do livro "O champanhe", do meu amigo Adrino Aragão. Será na livraria Sebinho (406 norte), organizadora do III Festival de Inverno
da Rua da Cultura. Eihn!, Adrino, o Nilto Maciel "devias vir", como diz o cancioneiro!

E nesta quarta-feira, 4 de julho, a partir das 20 horas, noite de autógrafos do livro "Eva - Poesia em Verso e Prosa", de Amneres (Bilau). Acontece no Bistrô Bom Demais, no CCBB.
Por volta das 21 horas, a autora fará recital especialmente para os convidados que comparecerem.

24 de junho de 2007

Poesia goiana


Estou auxiliando o Antonio Miranda a ampliar a participação da poesia goiana em sua página — que é uma das mais representativas da poesia ibero-americana no ambiente virtual. (www.antoniomiranda.com.br). Aqueles poetas goianos que puderem auxiliar, remeter currículo e poesias para o meu e-mail, e também uma fotografia.
Preparei hoje os verbetes de Tagore Biram (é de Valdivino Braz as referências bibliográficas do Tagore), e da amiga Yêda Schimaltz. Veja o verbete que preparei sobre a Yêda:

Tenho as tuas cartas e bilhetes floridos e perfumados. Desenhados com a percuciência de sua sensibilidade. E, na parede, o meu rosto entre lírios construído com o teu olhar de pintora cibernética. Na orelha de Rayon (1997) — um de seus últimos livros —, declaras: “Eu não sou poeta não, este lirismo todo é só reclamação. Goiana sou: é só observar o não repetido na frase anterior. E também essa quantidade de livros: não creia que sou uma escritora — isso tudo é só teimosia, vontade de contrariar, de desobedecer. Tem cabimento? De uma coisa de nada, faço laboratório e vou preenchendo a vida de (rima) vento. Certo é que escrevo poesia porque é tudo que possuo e sou, não sendo, e não saberia viver sem ela porque, sem ela, eu não me entendo. Rima de novo e muito fingimento.”
Não retornarei à tua casa, pois agora já posso encontrá-la à beira de qualquer piscina e passar o dia todo contemplando ao sol a candura de teu rosto e de teus versos. Vejamos o que Gabriel Nascente traz na antologia “Goiás, meio século de poesia”, sobre o rasto de sua biografia: “`YÊDA SCHMALTZ é de Recife (PE), mas sempre viveu em Goiás. Bacharel em Letras Vernáculas e em Direito. Professora da Universidade Federal de Goiás, Instituto de Artes.” E ele segue informando o rol dos livros publicados e das antologias em que figuras expressivamente. E não poderia informar a data de teu falecimento, se a poesia é anterior (foi.em 10/05/2003, aos 61 anos, no Hospital da Beneficência). “Recebeu inúmeros prêmios e distinções”, tu que não precisavas de prêmio algum para ser distinta. Mas cabe destacar alguns prêmios merecidos por tua poesia: da Associação Paulista de Críticos de Arte, melhor livro de poesia, 1985 (Baco e Anas brasileiras); Remington de prosa e poesia, RJ/1980; Simon Bolivar, Fondi, Itália, 1998; prêmio nacional Itanhangá de poesia/1985; Hugo de Carvalho Ramos /1973-1975-l985 e 1995; IV Concurso Nacional de Literatura da Fundação Cultural de Goiás/1979; José Décio Filho, GO, 1990; BEG de Literatura, GO, 96 e 97; Cora Coralina, GO, 1996, etc..
Yêda, assim conversamos sempre, pois, com Cora Coralina, a voz feminina da poesia de Goiás ganhou altura insuspeitável.


AMOR

Amor, se houve, eu tive.
De lembrar o amor
em poesia,
minha alma
sobrevive.

Do livro A forma do coração (1990)

Cavalo de Pau

Quando amo, sou assim:
dou de tudo para o amado
— a minha agulha de ouro,
meu alfinete de sonho
e a minha estrela de prata.

Quando amo, crio mitos,
dou para o amado meus olhos,
meus vestidos mais bonitos,
minhas blusas de babados,
meus livros mais esquisitos,
meus poemas desmanchados.

Vou me despindo de tudo:
meus cromos, meu travesseiro
e meu móbile de chaves.
Tudo de mim voa longe
e tudo se muda em ave.

Nos braços do meu amado,
os mitos se acumulando:
um pandeiro de cigana
com mil fitas coloridas;
de cabelo esvoaçando,
a Vênus que nasceu loura.
(E lá vou eu navegando.)

Nos braços do meu amado,
os mitos se acumulando,
enchendo-se os braços curtos
e o amado vai se inflando.

— O que de mais me lamento
e o que de mais me espanto:
o amado vai se inflando
não dos mitos, mas de vento
até que o elo arrebenta
e o pobre do amado estoura.

(Nenhum amado me agüenta.)

13 de junho de 2007

Está acertado. Dia 30, em Silvânia, o lançamento do meu livro Safra Quebrada. O evento está sendo organizado pelo PALAS — entidade que agrega a boa juventude da cidade. Cada cidade brasileira devia ter um Edmar Cotrim!!!
Hoje, numa navegada pela intrenet, descobri um poema que Júlio Polidoro, bom poeta de Juiz de Fora (MG), dedicou a mim. O poema integra uma série de poemas dedicados a várias escritores brasileiros (Glauco Mattosos, Domingos Pellegrino, e.....). Obrigado, Júlio Polidoro.

COLETA

A
Salomão Sousa


Assina a ruga
essa rude instalação:
no corpo alquebrado
o rosto precário
e a rua
repleta de buracos.

E avenidas cortam,
novas, ao rincão
da pele, antes plana,
uma sucessão de quebra-molas.

Mil atalhos surgem
desde os cílios
e ladeiras íngremes
entornam
um rio de lágrimas
dos olhos.

Eis o tempo
e urge no meu rosto
a vital parcela do imposto
que esse mesmo tempo
agora cobra

3 de junho de 2007

Voltei a convidar amigos para uma sessão de cinema em minha casa.
Estiveram presentes, por ordem de chegada, João Carlos Raveira, Fábio Coutinho, Donaldo Mello, Robson Corrêa de Araújo e sua esposa Bizé (velocista vitoriosa neste domingo e noutras manhãs) e Ronaldo Costa Fernandes. E os que não chegaram: Antonio Miranda, Herondes Cézar (que estava em Belo Horizonte) e Ronaldo Cagiano (que estava em Paris depois de fazer palestra em Teerã).
Vimos "O intendente Sansho", do japonês Mizoguchi. Trata-se de cineasta que fez uns 100 filmes entre 1920 e 1956 (muitos deles perdidos). Só os dois últimos são coloridos. Foi forçado a fazer fimes publicitários para o governo (nazista, do Eixo?) na época da segunda guerra mundial. Daí, talvez, o acentuado tom social (principalmente reflexões sobre as condições da mulher — e também em razão de uma sua irmã ter sido vendida) dos filmes que vieram após a Segunda Guerra Mundial.
"O Intendente Sansho" trata disso. O Governo Lula devia baixar um decreto: todo homem público devia ver o filme antes de assumir um cargo público, antes de ser diplomado parlamentar, juiz, promootor... É um filme sobre a dignidade humana. Já que achamos tão óbvio ser digno, por que a falta de sua prática?
Após assistirmos o filme, ainda lemos Jorge Luis Borges. Lemos "Cosmogonia", lembrando que esse título quase foi dado ao "Invenção de Orfeu", de Jorge de Lima. Ofereci ao amigo Ronaldo Costa Fernandes um exemplar da primeira edição do "Invenção de Orfeu", do mesmo ano em que nascemos (1952).
Hoje, para completar a temática do filme e do diálogo cosmológico e ético de Jorge Luis Borges, traduzimos o poema

"TU"

de Jorge Luis Borges
Tradução: Salomão Sousa

Um só homem nasceu, um só homem morreu na terra.
Dizer o contrário é mera estatística, é uma adição impossível.
Não menos impossível que somar o cheiro da chuva e o sonho que sonhastes ontem à noite.
Esse homem é Ulisses, Abel, Caim, o primeiro homem que ordenou as constelações, o homem que erigiu a primeira pirâmide, o homem que escreveu os hexagramas do Livro das Mudanças, o forjador que gravou runas na espada de Hegisto, o arqueiro Einar Tamberskelver, Luiz de Leon, o livreiro que inventou Samuel Johnson, o jardineiro de Voltaire, Darwin na proa do Beagle, um judeu na câmara letal, com o tempo, tu e eu.
Um só homem morreu em Ílion, no Metauro, em Hastings, em Austerlitz, em Trafalgar, em Gettysburg.
Um só homem morreu nos hospitais, em barcos, na árdua solidão, na alcova do hábito e do costume.
Um só homem contemplou a vasta aurora.
Um só homem sentiu no paladar o frescor da água, o sabor das frutas e da carne.
Falou do único, do uno, do que está sempre só.

28 de maio de 2007

Ao almoçar hoje com amigos, o Carlos me dizia que não conseguiu ler os poemas do Safra quebrada. E me perguntava porque a poesia tem de ser tão difícil.
Eu não sinto a poesia como algo difícil. Eu entendo que a poesia é difícil para quem lê pouco poesia. Eu tinha dificuldade com Jorge de Lima, assim como tinha com Horderlin e Rilke. Mas, de repente, como se faz a luz, tudo ficou claro. Tão claro que não era preciso mais a realidade, mas só a luz da poesia.

O amigo Euler Belém escreveu uma nota na sua famosíssima coluna "Imprensa", que sai semanalmente no Jornal Opção, de Goiânia. Talvez por ser amigo deste poeta e da Poesia ele não tenha dito que a minha poesia é difícil, mas apresentou algumas alternativas para que ela não se pareça impenetrável. Mas o Euler tem a lâmpada nas mãos para nos auxiliar a pôr a poesia na frente da realidade. Meu abraço ao Euler, e obrigado.

Supersafra de boa poesia

Leio o livro de poesia Safra Quebrada, fusão de livros anteriores com os inéditos Gleba dos Excluídos e O Marimbondo Feliz, de Salomão Sousa, goiano radicado em Brasília desde 1971.

Salomão Sousa impõe ao leitor certas dificuldades, ou barreiras, dadas as múltiplas referências — assimiladas e, portanto, dissolvidas no texto, que, assim, se torna exclusivo.

Trata-se de um poeta culto — o que não quer dizer empolado —, que dialoga com a tradição sem se tornar refém.

Tecnicamente, é um bardo irrepreensível. Sua poesia “livre” é tão rigorosa, metódica, que, às vezes, lembra a poética dos vates de outrora. Há uma certa matemática na sua lógica, por assim dizer, subjetiva. No caso, a fuga à métrica é métrica reinventada.

Trata-se de um poeta complexo, para ser lido aos poucos, jamais às pressas. Mas complexo não é o mesmo que inacessível ou obscuro. Pelo contrário, é luminoso.

Há aquela saudável universalidade (Cádiz) ancorada na vitalidade da cor local (Silvânia) na poesia de Salomão Sousa. Transcrevo um poema, sem título, no qual a inicial maiúscula funciona como pontuação, pausa para a respiração e transpiração do leitor: “São várias as maneiras de ser feliz/Arrastar-se sobre as pedras/só para esfriar a barriga/Catar o pó das estrelas/que caem à noite/só para depois jogá-lo/sobre os melhores miosótis/Nunca esbarrar em cobra/quando estiver com vara curta/Não ter de inventar nada/quando estiver/em Silvânia ou Cádiz/Jamais fazer um bolo/só de espadas/para sangrar os lábios/Sentar sobre a canastra/onde se esconde/o dragão das vinte línguas/Deixar o dragão louco/enquanto estou feliz/com o sol sobre a barriga/Contar para o menino/uma maneira de ser feliz/e ele pedir — conte outra”.

17 de maio de 2007

No dia do lançamento de nosso livro Safra quebrada, faleceu em Goiânia o amigo Aldair Aires, que nos últimos anos residia em Silvânia. Nossa amizade vem desde encontro de escritores realizado em Goiânia, organizado por Geraldo Coelho Vaz. Estava alegre com a turma de Letras de universidade do Mato Grosso, onde lecionava naquela época. Seu último livro de contos se encontra em minha casa com sua dedicatória gentil.
Para mais informações sobre Aldair Aires, consultar o blog do amigo Aemir Bacca:

http://ademirbacca.blogspot.com/

16 de maio de 2007

Tue, 15 May 2007 15:17:47 -0300
Olá, poeta, olá, amigo!
Gostaria de estar com você em mais este momento (estive prazerosamente em muitos outros).
Desta fez, entretanto, não vai dar. Outro compromisso, já agendado, intransferível.
Parabéns, vez mais.
Obrigado por ser mais um (e não são muitos) a emprestar seu talento à arte, à poesia.
Que o Safra Quebrada repita o sucesso das obras anteriores.
Beijos pra Chiquinha.
Vamos ver se a gente marca aquele pão de queijo (que só o Salomão sabe (sabia?) fazer.
Sérgio Souli

Salomão quero agradecer pelo convite, infelizmente não vou poder ir porque tenho aula, mas
quero te dar os meus sinceros cumprimentos, desejando-lhe sucesso neste novo lançamento!

Abraço,
Karina Garcêz
Wed, 16 May 2007 16:05:18 -0300
Mano,
se alguém tem que agradecer, este alguém sou eu.
foi um prazer estar contigo, sua festa foi linda.
Muito obrigada por tudo, eu não merecia tanto.
Bjs.
Rosa

Wed, 16 May 2007 13:01:31 -0300
Meu nobre poeta goiano, natural de Sllvânia, onde os pássaros voam de peito virado para tomar sol à vontade! Lamento profundamente não ter podido comparecer ontem ao lançamento de seu novo livro. Estava no Rio a trabalho e lamentei não estar com o amigo para parabenizá-lo de perto, um dos baluartes em acreditar que a publicação de um livro ainda é uma cópula em cama de letras. Seja feliz e que os poemas o levem a voar perto das pássaros de Silvânia para que traga a nós o segredo dos que não têm pés no chão! Grande abraço, Peliano


Tue, 15 May 2007 16:28:10 -0300
Pois é Dindo,

Uma vez caminhando pelo calçadão de Maceió com minha famìlia - devia ter uns 8 ou 9 anos - percebemos uma MUVUCA adiante e quando chegamos mais perto era o Djavan demonstrando sua voz e violão num concerto gratuito em plena beira-mar. Com Chico nunca tive a mesma sorte. É por isso que hoje iremos eu e Raquel ao Ulysses Guimarães pra ver o Chiquito, mas não sem antes saborear um vinho no Carpe Diem e parabenizá-lo, mais uma vez, por sua grande conquista. Aliás, obrigado pela amostra grátis de sua Safra Quebrada. De Djavan a Salomão Sousa, vou enriquecendo por dentro com estes valiosos brindes!

Grande abraço. Diogo


Saiu no site de Cláudio Humberto
Poeta lança livro 'Safra Quebrada' em Brasília
O jornalista e poeta Salomão Sousa, que trabalha há mais de trinta anos em assessoramento parlamentar para o Poder Executivo, lança nesta terça-feira em Brasília o livro Safra Quebrada, que reúne sua produção poética. A ilustração é de Robson Corrêa de Araújo. O lançamento será hoje, a partir das 19h, no restaurante Carpe Diem da 104 Sul.
É com muita emoção que agradeço a todos amigos o comparecimento à noite de autógrafos de meu livro Safra Quebrada. Amigos e mais amigos, duzentos presentes (?), milhares de amigos, pois muitos ficaram impedidos de comparecer e com o pensamento em nós e em nosso livro. E que a minha poesia possa corresponder com alegria a essa alegria que os amigos trouxeram com suas presenças. Depois eu colocarei mais mais emails e fotos. Obrigado, amigos.
Tue, 8 May 2007 23:33:37 +0000
"brasigois felicio carneiro felicio"
Amigo-irmão Salomão Sousa! Parabéns pela bela coletãnea, muito bem editada, reunindo sua obra poética. Você merecia isto. Você é um poeta de grande poder de expressão, além de ser intelectual ativo, e crítico inteligente.


Tue, 15 May 2007 09:37:07 -0300

Prezado Salomão,

acabo de ver o convite ao seu lançamento. Receio não poder comparecer, por causa de problema de saúde. Se amanhã à noit eu estiver melhor, compareço.
Obrigado pelo convite. E, é claro, meus votos de integral sucesso para o seu livro.
Alaor Barbosa.


Tue, 15 May 2007 04:28:54 -0300
"Jorge Karl de Sá Earp"
Caro Salomão

Muito obrigado pelo convite para o lançamento do Safra Quebrada.
Infelizmente não poderei ir. Estou morando em Bucareste desde fevereiro de 2006.

Sucesso, abraço

Jorge


Tue, 15 May 2007 00:32:43 -0300
"Fernando Marques"
Salomão:
Teria sido boa idéia, sim!
Abraço!
Fernando.

> Pô, Fernando,
>
> Libera a turma para o lançamento,
> senão você compromete o evento!!!
> Abraços e boa aula
>
> Salomão


Fernando Marques escreveu:
> Salomão:
> Parabéns, reunir tantos livros num só não é brinquedo!
> Às 19h, esterei dando aula na UnB (até as 21h). Por isso talvez não possa aparecer. Mas guarde meu abraço, por favor.
> Fernando Marques.


Mon, 14 May 2007 18:58:43 -0300
Salomão, irmão
Carolina faz 18 anos no dia seguinte ao lançamento. Prepara-se para o vestibular (UERJ ou UFRJ, Direito) já em junho. Porém guarde um exemplar para mim. Devo ir a Brasilia no finzinho do mês. Parabéns! Abração! O chico pode estar na cidade, mas quem manda é a Chiquenha! Archibaldo


Sat, 12 May 2007 14:32:53 -0300
>Salomão, obrigado pela amizade, pelo carinho de suas palavras. Pois é, reatei a amizade com o Solha, que me mandou um romance. Muita gente não foi canonizada, como nós dois e outros tantos. Mas é assim mesmo. Desisti de ser papa, bispo e até padre. Estou me contentando com o vinho e a hóstia. Mande seus escritos para o meu blog. Abraços. E não deixe de me escrever de vez em quando. Nilto


Saiba que você também é daqueles amigos amalgamados no coração.
> Lembramos de você em todos os encontros!
> Vamos ver o que podemos fazer para alavancar o nome do Solha!
> Nos anos 70, gostávamos muito da literatura dele. Ele publicou mais livros,
> e ainda não foi canonizado!
> Abraços
>

Amigo velho Salomão Sousa, obrigado pelo belo livro "Poesia", reunião de toda a sua obra poética. Obrigado pelo autógrafo. O livro está bem impresso, bem ilustrado. Você sabe que acompanho a sua trajetória literária desde aqueles tempos de Brasília e que tenho grande admiração por você e por sua poesia. Quero compartilhar com você essa sua alegria de reunir sua obra num só volume. Muito sucesso. E não deixe de me mandar textos seus para meus blogs. Li também a apresentação assinada por você de um livro de poemas de Ana Maria Ramiro. Abraços. Nilto


Amigo Salomão, parabéns pela antologia, muito merecida. Torço por
você. Darei notícia no meu blog. Nilto



Mon, 14 May 2007 14:18:52 -0300

"Rosangela Rocha"
Caro amigo Salomão,
Espero que esteja bem. Nem sei como lhe dizer isso,
mas não poderei ir ao lançamento do seu livro, amanhã. Cheguei ontem à
noite da Bahia, onde fui fazer uma palestra e dar uma oficina no Curso
de Comunicação. Estou muito atribulada esses dias, e amanhã à noite
tenho um compromisso inadiável. Dei tratos à bola para tentar desmarcá-lo
ou para ver se conseguia dar nem que fosse um pulinho no seu
lançamento, mas acho muito difícil. Peço-lhe não considerar a minha ausência um
sinal de falta de interesse. Eu me lembro muito bem que v. foi um dos
primeiros a chegar no lançamento de “Pupilas Ovais”. Desejo-lhe uma
feliz noite e muito sucesso para o novo livro, como v. merece. Dê notícias.
Um grande abraço, da Rosângela


Fri, 11 May 2007 10:48:58 -0300
"Camilo Mota"
Olá, Salomão,
parabéns pela publicação. Desejo muito sucesso. Quando tiver
oportunidade, envie-nos um exemplar para podermos divulgar no Poiésis
(Caixa Postal 110.912 - Bacaxá - Saquarema/RJ, CEP 28993-970).
Abraço fraterno,
Camilo Mota

Mon, 30 Apr 2007 16:36:49 -0300
querido amigo. estarei lá. parabéns mais uma vez.
Nilce

Mon, 30 Apr 2007 15:36:05 -0300
Caro Salomão,

parabéns por mais este lançamento; desejo-lhe todo o sucesso que um poeta possa conseguir nesse longo caminho das letras...
Só não poderei estar presente por questões geográficas.

Deixo então um abraço carioca,

Jorge Viveiros de Castro


Mon, 30 Apr 2007 18:05:45 +0000
"Stela Maris Rezende"
Caro Salomão,
Sucesso no lançamento! Estou no Rio de Janeiro, até final de junho.
Um abraço da Stela

Mon, 30 Apr 2007 12:38:34 -0300
"Pedro"
farei o possivel para estar presente !!!
Um abraço do
Pedro


Mon, 30 Apr 2007 08:57:48 -0300
"Fabio de Sousa Coutinho"
Obrigado pelo convite e parabéns pelo Safra Quebrada. Se Deus quiser, estarei lá no dia 15.5, para adquirir meu exemplar autografado e lhe dar um abraço de leitor e admirador. Disse se Deus quiser porque minha mãe, de 88 anos, está internada na UTI de um hospital do Rio e, a qualquer momento, posso ter que me deslocar para lá, para estar ao lado dela.

]
Mon, 14 May 2007 17:20:49 -0300
"Dep. Sandro Mabel" <

Salomão,

rebebi a pouco tempo. amanhã é meu plantão até as 22hs, mas farei o possìvel para dar uma passada la. desde já parabéns.

um abraço

SOLANGE

Sun, 6 May 2007 23:06:21 -0300
"Ademir Bacca"
salomão,
em primeiro lugar, parabéns pelo novo livro
gostaria que me enviasses tua biografia reduzida - umas 20 linhas - mais um poema e uma foto para que eu te inclua na próxima atualização do blog 'poetas do brasil'

abraços


Thu, 3 May 2007 18:00:24 -0300
"heronmoura"
Olá Salomão,

seu lançamento quase coincidiu com minha nova ida a Brasília, em maio.
Boa sorte e parabéns.

Abraço,
Heron


Wed, 2 May 2007 15:21:12 -0300
Salomão, meu brother, coloquei uma coisinha no site da Revista Nós Fora dos Eixos, divulgando o seu lançamento, e estarei por lá.
Abração,
do poeta e amigo,

marco polo.

ah, ia esquecendo, que tal o livro? Já tivestes um tempinho para iniciar a leitura do Cinza da Solidão? Sua opinião para mim é importante.
(Marco Pólo)


Wed, 02 May 2007 11:32:12 -0300
"Edson Bueno de Camargo"
Muito boa sorte em seu lançamento, daqui deste sombrio planalto vos desejo. Quem sabe o camarada faça algum lançamento aqui por São Paulo, e poderemos comparecer.
Desejo todo o sucesso que o poeta merece, esses filhos da palavra teimosia.

Edson Bueno de Camargo
Mauá - SP


Tue, 1 May 2007 15:21:00 -0300
"Angélica Torres" <
uau!!! jóia, patrício!
starei lá,
me aguarde
beijos, sucesso!


Tue, 1 May 2007 08:39:35 -0300 (ART)
"Lívio Oliveira"
Parabéns, amigo!
Pena não poder comparecer!
Abraço de Lívio.


Olá, Salomão!
Fri, 4 May 2007 12:09:26 -0300
Desejo tudo do bom e do melhor nesse lançamento. Infelizmente, não estarei presente, devido a merecidas férias. Mas, quando voltar, gostaria de saber se a safra foi mesmo quebrada.
Um abraço,

Adelaide Oliveira
Supervisor de Filial
Cinemas Embracine CasaPark

Este é o núcleo inicial de minha poesia. Lembro-me de nós ali, sentados, ouvindo Chico Buarque em tempos que nem se pensava em abertura. Ronaldo Alexandre e Wil Prado, é bom guerrear num bom combate. Nosso abraço saudoso (e sei que vocês endossam esse abraço) ao João Antonio, ao Ignácio de Loyola Brandão, ao Wander Piroli.

Nessa roda, a nata da escritores de Brasília. Danilo Gomes, de pé, João Carlos Taveira, Ronaldo Cagiano e Ronaldo Costa Fernandes (reponsáveis pela fortuna crítica do livro), Luiz Carlos Cerqueira e Napoleão Valadares atrás dele. E nesta mesa estiveram o Ésio, poeta que está em São Paulo, o Antonio Miranda, o Cazarré, perdão peço àqueles que deixo deixo de citar.

Anderson Braga Horta, que nos prestigiou a noite toda com a sua presença. Ao fundo, o amigo Wálter.

A presença silvaniense e familiar em meu lançamento. Antonio da Costa Neto, estudioso da educação e do comportamento social. E a mana Rosa, linda, a quem o livro é dedicado.

Poesia e aniversário. A minha amiga atriz BIA. Obrigado e feliz aniversário.

9 de maio de 2007

Enquanto estou organizando o lançamento do meu Safra quebrada, dia 15, a partir das 19 horas (Carpe Diem, 104 Sul), aproveito para traduzir um poema de Vicente Alexandre. Com a tradução, sinto-me menos inoperante e mais próximo da poesia. Sempre me encantou a poesia deste pr^mio Nobel da Espanha. É uma poesia cheia de cintilações. Pois a vida não é só a ordem, às vezes ocorre ao mesmo tempo o lagarto, o vômito e o beijo.


A felicidade

Vicente Alexandre

Não. Basta!
Basta para sempre.
Fuja, fuja; só quero,
só quero a tua morte cotidiana.

O busto erguido, a terrível coluna,
o colo febril, a convocação dos carvalhos,
as mãos que são pedra, lua de pedra surda
e o ventre que é sol, o único extinto sol.

Seja erva! Erva ressecada, raízes amarradas,
folhagem nos músculos onde nem os vermes vivem,
pois a terra nem pode ser grata aos lábios,
a esses que foram, sim, caracóis do úmido.

Matar a ti, pé imenso, gesso esculpido,
pé triturado dias e dias enquanto os olhos sonham,
enquanto há uma paisagem azul cálida e nova
onde uma menina íntegra se banha sem espuma.

Matar a ti, coagulação completa, forma ou montículo,
matéria vil, vomitação ou escárnio,
palavra que pendente de uns lábios roxos
vem dependurada na morte putrefata ou o beijo.

Não. Não!
Ter-te aqui, coração que pulsou entre meus dentes enormes,
em meus dentes ou cravos amorosos ou dardos,
o tremular de tua carne quando jazia inerte
como o vivaz lagarto que se beija e se beija.

Tua catarata de números,
catarata de mãos de mulher com argolas,
catarata de pingentes os cabelos se protegem,
onde opalas ou olhos estão aveludados,
onde as mesmas unhas se guardam entre encaixes.

Morre, morre como o clamor da terra estéril,
como a tartaruga esmagada por um pé desprotegido,
pé ferido cujo sangue, sangue fresco e novíssimo
quer correr e ser como um rio nascente.

Canto o céu feliz, o azul que se desponta,
canto a felicidade de amar doces criaturas,
De amar o que nasce sobre as pedras limpas,
agua, flor, folha, sede, lâmina, rio ou vento,
amorosa presença de um dia que sei existe.

RETRATO, poema de Antonio Machado

Traduzi para meu consumo o poema "Retrato", do espanhol Antonio Machado. Trata-se de um dos poetas de minha predileção, assim como...