19 de dezembro de 2006

Fico siderado quando encontro um texto literário em que a genialidade da juventude vence todos os parâmetros existentes. É o caso de A família de Pascual Duarte, pequeno romance-explosão do espanhoal Camilo José Cela. Só as condições de um momento de guerra vivido pela Europa e a juventude do autor para permitir que a violência humana fosse examinada com tanta percuciência.
Acho que o Ronaldo Costa Fernandes, apesar do "interior" dissecado em em seu romance O Viúvo, não agüenta esse livro. A Família de Pascual Duarte faz contraponto com O Estrangeiro, que é o livro de cabeceira do amigo Ronaldo Costa Fernandes.
Nao vou entrar em mais detalhes do livro deste autor que foi prêmio Nobel, pois me dá medo. Quero preservar a mãe.

17 de dezembro de 2006


Estou vendo que este blog está se transformando num arremedo de diário.
No entanto, no fim de ano, onde aguardamos a renovação de nossos projetos,
temos de trabalhar dentro de nossas repetições.
Ainda conversava com meu filho hoje na Livraria Cultura: passei o fim de semana
sem consturar grandes invenções. E vou notando que até a poesia vai escapando
por entre a inexistente teia de luz.
Assisti dois filmes: Fome de viver, que há anos eu procurava o momento de me encontrar
com ele. Com Catherine Deneuve, num figurino limpo, um chapeuzinho futurista. É uma vampira que padece a angústia de ter de atravessar eternamente o tempo. Aqui, é a angústia da destruição do outro para assegurar a sobrevivência. Trata-se de um filme que abriu caminhos para muitos outros no gênero. É claro, para trás estava o impressionismo alemão, que é o pai e a mãe de tudo. A trilha sonora é de fazer inveja, e de arrepdiar: Lalo...
Mas, a valentia mesmo me aguardava no segundo filme: Alphavile, de Godard, que também se escondia de mim há mais de trinta anos. Eu sempre digo: há atrasos que acontecem para nosso bem. Godard retrata uma sociedade (comunidade, sei lá) c0ntrolada por um supercomputador. É um filme adivinhatório, prominotor ou qualquer outro nome que se queira dar. Com o controle da sociedade pela máquina, algumas palavras carregadas de ética e de humanismo vão se perdendo. E, com a perda da poesia, com o banimento da poesia, a ternura se perde. Não se sabe mais como amar. Como expressar o amor. Numa sociedade onde todos estão numerados, não há mais como amar. Somente a perda da "consciência", essa mágica que nos põe a reagir... Ai! Godard! Ai! Alphavile!!!!

12 de dezembro de 2006


Desde a infância, carrego a marca da leitura do livro A Cavalaria Vermelha, de Isaac babel, agora traduzido como O Exército de Cavalaria. Para mim, a mudança do título não alterou nada, mas agora, na tradução direta do russo, subiu a tona, com maior clareza, a poeticidade do texto desse russo que acabou morrendo no totalitarismo de Stálin.
Algumas peculiaridades me atraem na prosa de Isaac Bábel: a poeticidade, as cenas de dura crueza da vida militar, o olhar terno dentro da guerra. Olha as frases do último conto, da última página do livro: "Da negra trama do carvalhal surgiu um sol ardente. O júbilo da manhã encheu o meu ser." Ou então a violência dos instantes da guerra: "Alcancei e curvei o ganso para o chão; sua cabeça estalou sob minha bota; estalou e sangrou. O pescoço branco ficou estendido sobre o esterco e as suas asas se juntaram por cima da ave morta." Trancrevo esta passagem deslocada de toda a sua trama, e pior se transcrevesse o tiro dentro da boca do velho, que naquele instante era um inimigo.
Este é o resumo que a editora Cosac distribi sobre o livro:
Para esta edição, Aurora Fornoni Bernardini e Homero Freitas de Andrade traduziram os 36 contos da versão definitiva - que acrescentou dois contos (Argamak0 e O Beijo) aos 34 da primeira publicação em livro, de 1926. "Texto-paradigma do século XX", nas palavras de Boris Schnaiderman, estes contos "com gosto acre de sangue e terra" formam um mosaico estilhaçado das convulsões sociais da Rússia nos anos 1920. Conhecido em todo ocidente como A Cavalaria Vermelha, o livro reflete a experiência de Isaac Bábel na guerra russo-polonesa de 1920-21. Judeu, russo e míope, o narrador registra sua permamente sensação de deslocamento em meio aos brutais cossacos que lutam a seu lado. Com sua prosa expressionista, Bábel parecia encarnar o ideal soviético de uma literatura revolucionária, mas acabaria fuzilado em 1940 pela política de extermínio stalinista.

9 de dezembro de 2006

Quatro aforismos a partir de um diálogo com Lejânia Bello:
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A folha verde é o viço da esperança, e no entanto ela seca.
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É melhor chover no molhado do que viver na secura.
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É melhor acertar com os radicais que errar com os maleáveis!
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Só dois escritores me deixam no buraco:
Cioram e Schopenhauer!
Mas se não entramos no buraco
nunca saberemos como é a saída!

5 de dezembro de 2006


Ontem estivemos na festa do Robson Corrêa de Araújo, que abriu a sua exposição de fotografia na Livraria Cultura, que funciona na CasaPark. São fotos da Câmara dos Deputados, todas feitas com o olhar a partir do chão (piso). São ângulos limpos — se há a presença humana esta se insinua apenas através da sombra. E mais é mistério de quem vê, pois quem vê, sabe e conhece. E isso quem diz é o prêmio nobel Orhan Pamuk.

Um dia antes, fui ao cinema ver O labirinto do fauno, uma produção México/Espanha de Guilhermo del Toro. Eu fui acompanhado por Lídia Duarte ou por Juliana Garza.

25 de novembro de 2006


Acabo de receber de Goiânia o covite para o lançamento, na terça-feira, 28, na Livraria Cultura de Goiânia, do livro do amigo Vassil Oliveira, que narra os bastidores das eleições de 2006 para o Governo de Goiás. O livro vem coroar a carreira jornalística de Vassil — que acabou por especializar-se em política. Somos amigos desde de antes de ele terminar o curso universitário. Este é seu segundo livro, pois já publicou um livro de contos, que tivemos a honra de apresentar. E sei de poesias e novelas aguardando o gatilho de futuras edições.
Eu também aguardava ansioso este lançamento, pois só assim o Vassil Oliveira poderá se debruçar sobre a apresentação de nosso livro Safra Quebrada.
Vassil, sei que o sucesso será grande!!! E que os compromissos não se esgotam!!!!!

José Santiago Naud para professor emérito da UnB

Endossamos — e sugerimos que entidades e autoridades formadoras de opinião no meio cultural de Brasília que assim também se pronunciem —, a indicação do professor e poeta José Santiago Naud para professor emérito da Universidade de Brasília. José Santiago integra a vanguarda dos pioneiros de Brasília e, por antigüidade, merece indicação, já que foi um dos fundadores daquela instituição. Damos por certa a sua indicação e acolhida.

Comparecemos, nesta semana, ao lançamento de "Dicionário de pequenas solidões", que contém dez contos do amigo Ronaldo Cagiano. O evento concorridíssimo aconteceu na livraria Café com Letras, na 203 Sul. Eu tinha previsto ficar uma meia hora, mas eram tantos amigos que só consigo sair duas horas após chegar ao local. Só com o amigo Antonio Miranda uma hora correu sem nem deixar rastro de enjôo.
O livro praticamente inaugura as atividades da editora Agualusa, que tem programa de edição de autores de língua portuguesa (entenda-se aqueles do Brasil, Portugal e países africanos). Dá pra ver, pela edição cuidadosissíma que a editora veio para competir e ficar. Sugiro apenas que eles tenham uma cautela na composição do preço de suas edições. Caso mantenham o mesmo parâmetro do "Dicionário de pequenas solidões" acabarão impedindo certas camadas da população de ter acesso aos seus livros. A fitinha saiu muito cara.
Os contos foram selecionados dos livros Concerto para arranha-céus, editado em Brasília pela LGE; e de Dezembro Indigesto, também editado em Brasília, desta feita pela Bárbara Bela. Confesso, eu ainda não tinha lido os livros do Ronaldo, pois tenho me envolvido muito com o acompanhamento da poesia brasileira.
Agora, logo após o lançamento, já retornei para casa enfiado nos contos do Ronaldo. O amigo abordou temas cruéis, ambientados em Brasília, Cataguases, sua terra natal, e mesmo no Rio de Janeiro. Está ali o estupro, a viagem de metrô por Brasília, e outras solidões — a morte do pai...Mas cada um tem de ir lá conferir, senão não tem graça. Bota aí a solidão pra funcionar e vá às solidões do amigo Ronaldo Cagiano!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

21 de novembro de 2006


Nos últimos dias, assisti três filmes. Fui com amigos e familiares rever Paris Texas, de Wim Wenders. Assisti este filme pela tercerta vez, e sei que muitas outras vezes irei revê-lo. Aqui a música e a imagem se integram na deserticidade. Ry Cooder, que tocou com Eric Clepton, participa com a trilha sonora de outros filmes, inclusive auxiliou Wim Wenderes na produção de Buena Vista Social Club (este eu já devo ter visto umas dez vezes), também de Wim Wenders. Podem dizer o que quiserem, mas Wim Wenders tem uma sutil maneira road de andar pela vida. Medo e Obsessão, que também vi no fim de semana, e que se encontra em cartaz, trata da paranóia americana relativamente ao terrorismo. Mostra que a paranóia serve apenas para gerar mais paranóia, que, num crescendo, acaba gerando conflitos criminosos. E, ontem, fui ver Volver, de Almodovar. Não perco um Almodovar sequer. Com a transparência das taras, acaba mostrando os conflitos das relações humanas. Neste Volver ele está mais claro, mas amoroso do que nunca, com as mulheres sendo obrigadas a resgatar estradas perdidas. Amo Almodovar!!!!
O artigo "Três vozes, um mesmo tom", de Hildeberto Barbosa Filho, que já foi publicado no caderno Pensar do Correio Braziliense, acaba de sair na revista Correio das Artes, editada na Paraiba resistenteente por Linaldo Guedes. O texto pode ser conferido na íntegra na revista virtual Cronópios (http://www.cronopios.com.br/site/critica.asp?id=1928).
Aqui um trecho:
"Mais colado ao visgo da existência, o lirismo de índole filosófica de Salomão Souza não descarta o apelo metalingüístico, quando ao final do poema da página 65, enuncia: “A lenha das palavras / acende a festa / na beira de meu pasto”. Antes, no mesmo texto, o poeta já dissera: “Não consigo sorrir se o homem / deixa de ser uma lenda / se o homem deixa de entrar / nos esconderijos do arco-íris / se é negada a festa da palavra / cheia dos olhos de Osíris / se há o logro da censura / e não chegam dizeres e vizires”. Observem-se em cada verso a carne e a plumagem das palavras. Intuição e razão não se excluem, complementam-se na composição das tantas imagens, imagens estésicas, que habitam este poemário, conjugando significado e significante."

16 de novembro de 2006

Às vésperas do feriado fui ao concerto da Orquestra do Teatro Nacional. Num concerto nunca estamos sós. Tem a música, tem a pulsação do pública. E mesmo a possibilidade de conhecer pessoas com a mesma expressão humana da arte. Ali estava a Beatriz e seus pais, pela primeira vez numa audição de música erudita. Pura alegria, até mesmo quando adormeceu.
Mesmo com a substituição do programa, pois eu espero há mais de ano que a orquestra toque a 1ª Sinfonia do Mahler, que é um das primeiras músicas clássicas que inseri no meu repertório de preferência pessoal (nela está a energia da juventude), assisti todo o programa com muito prazer. Foi uma surpresa ouvir o Canto de Amor e Paz para orquestra de cordas, do brasileiro Claudio Santoro. É algo que nos corta com a serenidade da paz. De acordo com o musicólogo Vasco Mariz, à primeira obra dessa época, o Canto de Amor e da Paz, Santoro “imprimiu um tom lancinante, de uma sinceridade que impressiona já na primeira audição... É evidente que este trabalho tem um programa político também, mas a lembrança que deixa no ouvinte me pareceu tão elevada e universal a ponto de esquecer aquele aspecto menos artístico. A obra foi premiada pelo Conselho Mundial da Paz....No dizer do compositor Katchaturian, essa obra se assemelha a uma grande canção em forma de sinfonia.”

7 de novembro de 2006

A AMIZADE A AMIZADE A AMIZADE AMIZADE

Com o título e "Lagartas", talvez a propósito das lagartas que estão postadas aqui no blog, acabo de receber um e-mail de um poeta. Até desafio outras pessoas a me mandarem fotos de lagartas para serem postadas aqui. Mas que tenham sido fotografadas pelo remetente.

Vez por outra acredito realmente que sou poeta, sermos lidos, num país tão pouco lido, por tempos penso que é só a nossa teimosia mesmo, destas querelas de caboclo domesticado da cidade.
Edson Bueno de Camargo
Mauá - SP

Nunca me preocupei em ser lido, no instante em que escrevo. É um ato tão solitário, que não podemos imaginar nada no instante de escrever, mas em achar em nós mesmos algo que nem imaginávamos estar ali. Algo que outro vai ver e, por ter sido escrito por um humano, pensará que poderia ser amigo daquele ser humano que escrevia. Não terei sido um poeta se alguém não desejar me conhecer enqaunto estiver lendo. Eu queria ser amigo de todos aqueles que escreveram algo cheio de vida. É nisso que penso quando leio. Ser amigo de Rilke, acompanhá-lo na loucura. Ser amigo de Lorca enquanto ele escreveu "Romance sonâmbulo", um dos mais belos poemas. Mas quantos outros poemas belos escritos por poetas que seriam belos amigos!
A lagarta, mesmo, não pensa em ser lagarta. Talvez pense em se defender enquanto lagarta. Basta ver as muitas antenas venenosas que a protege na beleza. Acredito que o homem não se protege tanto. Tem de criar as suas antenas. A amizade, a ampliação da escolaridade, o aprofundamento da textura da própria poesia. Nosso país crescerá com isso. Quem tem inimigos vive alerta, sem descanso, no medo.

Mas talvez não fosse nada disso que eu quisese escrever, Edson. Mas lembrar dois textos sobre a amizade.
O primeiro, eu não vou datilografar. É do livro "Érica e seus irmãos", de Elio Vittorini. Aliás, acabo de achar o trecho aqui na internet. É um romance pequeno, mas assustador. Veja o trecho:

"Sonhava sobretudo uva, uma uva de doce cor, amarelo embaciado pelo frio, e não uva de comer, mas de morar. Tratava-se de bosques dourados, com pássaros invisíveis que cantavam, e com globos de polpa onde as pessoas entravam e ficavam felizes. Ela estava sozinha num globo, mas sabia que a todos acontecia a mesma coisa e sentia uma melodiosa certeza de companhia. Esta era, aliás, a felicidade: a companhia. "

Assusta-me e me encanta esse desejo de companhia num ambiente em que tudo já não existe, pois Érica está na miséria. E acredito que o leitor de hoje nem quer o contato com a miséria. Mas a perda do contato com o real nos torna desleais com a gente mesmo, torna-nos despreparados para ser homens. O homem ter de viver no real, aí sim ele respeita o real e a si mesmo.

Mas fui descobrir que esta importância da companhia, pois a am izade é companhia, talvez tenha sido retirada por Elio Vittorin do primeiro parágrafo do 3º vol. do romance "Jean-Christophe", de Romain Rolland, que acaba ter nova edição brasileira pela editora Globo. Gosto dos romances caudalosos. Este tem quase 1600 páginas, distribuídas em três volumes. Ainda não li. Mas está aqui sobre a minha cabeceira. Vejamos o tal parágrafo, parágrafo de assustadora beleza :

"Tenho um amigo!... Doçura de termos encontrados uma alma onde aninhar-nos em meio da tormenta; um abrigo terno e seguro, onde por fim respiramos, à espera de que se acalmem as pulsações de um coração ofegante! Não estarmos mais sós, não necessitarmos permanecer sempre armados, os olhos sempre abertos e queimados pelas vigílias, até que a fadiga nos entregue ao inimigo! Termos o companheiro querido, em cujas mãos pusemos todo o ser – e que pôs em nossas mãos todo o seu ser! Bebermos, enfim, o repouso, dormirmos enquanto ele vela, velarmos enquanto ele dorme! Conhecermos a alegria de proteger aquele a quem queremos, e que confia em nós, alegria de proteger aquele a quem queremos, e que se confia a nós, como uma criancinha. Conhecermos a alegria imensa de nos entregarmos a ele, de sentirmos que ele possui os nossos segredos e que dispõe de nós. Envelhecidos, gastos, cansados de carregarmos durante tantos anos a vida, renascermos, moços e vigorosos, no corpo do amigo, saborearmos com os olhos o mundo renovado, apreendermos, com os sentidos, as belas coisas passageiras, gozarmos com o coração o esplendor de viver... Mesmo sofremos com ele... Ah! o próprio sofrimento é alegria, contanto que estejamos acompanhados!
Tenho um amigo! Longe de mim, perto de mim, sempre em mim. Tenho um amigo, pertenço-lhe. Meu amigo me quer. Sou dele. A amizade confunde as nossas almas num só alma."

Lamentável que as pessoas de hoje, egocêntricas, se julguem as melhores pessoas do mundo. As melhores pessoas do mundo são aquelas que nos completam com a anizade. Somos seres imperfeitos em busca de completude — — — do amigo.

Certamente motivada pela lagartinha miraculosa do Robson, a Nayara Vieira me mandou algumas fotos de flores, jaboticabas, e a lagartinha camuflada na casca de uma árvore. Uma lagartinha muito menos assustadora, quase um amuleto de sorte, assim um ente de estimação. Não deve ser da fazenda da vó, mas uma lagartinha que ela trata com pequenas gotas de perfume, e deixa passeando na táboa da cabeceira enquanto dorme.
Só aqueles que sabem ter intimidade com lagartas e flores são os que melhor respeitam a vida, são aqueles
que jamais serão egocêntricos.

5 de novembro de 2006

Algo miraculoso


São vários os temas que eu poderia abordar aqui no blog, neste domingo, de um novembro que já nos desemboca no final do ano. Assim numa abordagem memorialística, assim o prolongamento de um diário irresponsável... Antes, relembrar os buracos aberto aqui em minha garagem, com mais de metro de fundura, para reorganização da rede de esgoto. Às vezes esquecenmos que somos personagens do mundo, com necessidade de encarar nossos esgotos pessoais. Nem tudo termina em livro, mas bem que poderia terminar. Ainda há pouco, com as mariposas invadindo a minha janela, à procura de luz, eu tentava construir um aforismo:

- Nenhum livro é tão ruim que não serva para matar mosca. (este é um pensamento bem à moda de Augusto Monterroso, que fez um livro com epígrafes que remetem sempre às moscas).

Passei a semana ultimando os arranjos finais para a conclusão do Safra Quebrada. A edição está garantida. O livro estará concluído — acredito — até meados de dezembro. Mas o lançamento só acontecerá lá para os inícios de março (em Brasília e Silvânia, minha terra natal). O Mourinha até disse, quando fomos ao seu lançamento, na Livraria FNAC: vamos lançar em Goiânia. Se tiver ajuda dos amigos, quem sabe...

Voltei a encontrar a Nayara numa livraria. Ou fui encontrado por ela ou por seu companheiro. Gostaria de fazer uma metáfora que expressasse a alegria que anda com ela. Nayara é uma água intocável pelo barro? Ela é o ar que move tudo por onde passa. Se todos andassem assim com a alegria pelo braço, a amizade seria muito mais fácil de ser travada. E eu acho que somos amigos desde o primeiro dia que nos encontramos. E, lembrando dela, penso em todos os escritores latino-americanos que são amigos da latinidade. Sábato, que ela já deve ter concluído a leitura, com seu senso de defesa da humanidade, de destruição das vias que levam o homem modrno ao egocentrismo; Octávio Paz, com a sua intimidade com os destinos de seu país, principalmente em O labitinto da solidão; e Carlos Fuentes, que resiste diante das ameaças colonialistas. Saiu dele agora o Este é meu credo, em que contsrói a própria biografia em quarenta e poucos tópicos, como se fossem crônicas ou artigos memorialísticos. Amo Carlos Fuentes desde a primeira linha que li dele. Deste livro, já na primeira página, encontramos o amor à latinidade:

"Grandes civilizações foram derrubadas. A conquista da América foi uma catástrofe. Mas uma catástrofe, segundo María Zambrano, só é catastrófica se dela não nasce nada que a redima. E da catastrofe da conquista, nascemos todos nós. Somos, majoritariamente, mestiços, filhos dos encontros."

Ainda para parodiá-lo um pouco mais, poderíamos dizer que as amizades são nosso segundo lar, onde construímos o complemento de nossa formação, e habitamos melhor o mundo. A amizade é onde amamos sem a necessidade da libido.

Não era para estar dizendo nada disso, mas registrando os livros que recebi nos últimos dias. Encaminhados pelos amigos. Mas deixemo-los descansar mais um pouco sobre a minha cabeceira. Perdão Lívio Oliveira, Gabriel Nascente, Jorge Tuffic...

Estou às voltas com o imaginário para ver se consigo construir a capa do meu livro. O Robson Corrêa de Araújo, que me visitou neste sábado com o Sandro, suiço que está há um mês no Brasil, fotografou uma lagarta para fazermos experiências. Acho que esta lagarta ainda não será a capa definitiva. Poderia sobrar só o rabo desfocado dela...

O que você acha? É belo ou assustador? Ou miraculoso, como me ligou hoje a Camila para me perguntar o que esta palavra quer dizer?

A amizade é algo miraculoso. A palavra é do Godoy e a amizade era Godoy.

28 de outubro de 2006

Jornal da Paraíba, resenha de Astier Basílio

Neste sábado, 28 de outubro, estou muito feliz. Sou padrinho do casamento de Gisele, minha sobrinha, e do Marcelo. Recebi a visita do poeta João Carlos Taveira, e passamos a tarde quase toda em conversas sobre a poesia contemporânea. E, para coroar o dia, saiu uma resenha no Jornal da Paraíba, de autoria do escritor Astier Basílio, sobre o meu livro Ruínas ao sol. Abaxo, a resenha.
Uma travessia entre o inusitado e o estranho

. Astier Basílio
Há poetas que apostam no pensamento, outros na fragmentação e no desmonte, por sua vez, há aqueles que investem na linguagem. É dessa família que pertence o goiano, radicado em Brasília, Salomão Sousa. Prova disso é seu livro Ruínas ao Sol (7 Letras, 86 págs., 2006). A obra foi a vencedora do Festival de Poesia de Goyaz, deste ano. Na linha encantatória e com apelos eloqüentes aos aspectos visuais e sensitivo feitos através do uso da metáfora, que comparece em sua estrutura visionária, repleta de estranhamentos e de associações pouco usuais, a poesia de Salomão trabalha com o inusitado e o estranho. É o que podemos ver em construções como “aceitar os escombros/ as moscas da febre/ as magras pontes sem nossas sombras”, ou “Onde as sementes desejam/ voam plumas e se confundem/ com líquidas libélulas de sol” e “com os idílios dos erros nós remamos”. O livro nos remete a uma espécie de travessia, sem lugar e em todos os lugares. A paisagem é o palco para as errâncias da linguagem que não cede aos regimentos lógicos, antes resvala pelo terreno do surrealismo. Os poemas não têm título. O que sugere este horizonte circular e mútuo, como se um único poema se desdobrasse em movimentos, promovendo avanços e recuos, mas sem a intenção de chegar. É o que se pode ver nestes belos versos: “Estarás em qualquer/ ilegível estrela ou estrada/ irei recolhendo tuas roupas/ todas em rasgos/ só eu posso te encontrar/ no instante em que fores louca”. Era como se o poeta quisesse sinalizar que não há saída fora da linguagem, que não haveria salvação fora da palavra. Esta é a impressão que tenho ao ler versos como “ninguém terá de imaginar fugas/ mentir às brumas dos brâmanes/ ninguém ficará sem saídas/ nas curvas do labirinto/ ninguém terá de terminar”. O poeta quer seguir o seu deserto de dentro. É o que vemos nesta verdadeira profissão de fé: “Não se apresenta nenhum nirvana/ e talvez nada seja em vão/ não reclamo da andadura/ não levo me a nenhuma caravana/ sem visagens e sem cântaro”. Ruínas ao Sol é um título extremamente significativo. Salomão ativa vários sentidos aí. Podemos lê-lo como a descontinuidade do amanhã, o tempo e seus entre-lugares, numa referência à pós-modernidade, terreno movediço de vozes. Se é no manejo da linguagem o ponto alto do goiano e neste mesmo expediente que decorrem os momentos menos felizes do livro, justamente, por conta do abuso deste recurso, que à repetição excessiva, acaba perdendo seu efeito surpreendente.

25 de outubro de 2006

Mercado Editorial

Temos de reconhecer: o mercado editorial brasileiro tem progredido! Tanto na oferta e escolha dos títulos, quanto no acabamento editorial.
A Editora Villa Rica (Itatiaia e Garnier) tem retornado ao mercado com seus títulos clássicos, bem como tem incluídos novas traduções ao seu catálogo. Estão lá, em roupagem nova, o Decamerão, do Boccácio; Os sertões, de Euclides da Cunha; Minha Formação, de Joaquim Nabuco; Fernando Pessoa, Machado de Assis, Olavo Bilac, até as poesias completas de Cassimiro de Abreu, e tantos outros. Inclusive as Conversações com Goethe, de Buckhardt. Hoje este livro anda esquecido, mas já fez escola memorialística. E nunca é tarde para lê-lo. A Villa Rica/Itatiaia/Garnier tem a sua forma de tratar o livro, que ele fica parecendo que ainda foi impresso a quente. E como são autores clássicos, as edições acabam ganhando um charme especial. Além de as edições ficarem mais baratas.
Entrou a Alfaguara no mercado, com alguns títulos (e em edições) charmosos. Nova tradução do Retrato do Artista Quando Jovem (de Joyce), o novo livro de Mario Vargas Lllosa, e uma seleção de poemas de Fernando Pessoa, pelo Luiz Ruffato. A edição de Fernando Pessoa está muito atrativa, principalmente para a juvenude, pela espacialidade que foi adotada para a inclusão dos textos nas páginas.
Tem a editora 34, que continua com a edição das obras de Dostoievski (saiu a A senhorita), e estão lá as melhores traduções de Crime e Castigo, de O Idiota. Aguardo ansioso a tradução nova de Os irmãos Karamazovi. Ninguém pode deixar de ler Crime e Castigo.
Temos a Cia da Letras, que tem trazido a nova literatura européia e asiática, e a bela coleção de Italo Calvino. E o resto do Kafka? estou aguardando as novas traduções de Modesto Carone. E também novos títulos da coleção de Nietzsche.
Nem precisamos falar da Martins Fontes. É umas das editoras mais cautelosas com o seu catálogo. Estão lá os grandes filósofos (antigos e modernos). Talvez a editora ainda tenha de investigar em redução de custos para que seus livros cheguem mais baratos aos estudantes, ainda mais que são os mais adotados nas faculdades. Não sei porque esta cultura, no mercado editorial brasileiro, de que o livro adotado tenha de ser o mais caro. Enquanto que tinha de ser ao contrrário. Pois, é sabidíssimo, que um livro, quando mais vendido, mais barato.
Ainda hoje encaminhei e seguinte e-mail à editora CosacNaif, que sem dúvida, tem sido imbatível:

Estive em Goiás Velho com Augusto Massi e foi um encontro de muita cortesia. Conversamos sobre Augusto Monterroso, que é preciso ter uma edição bem cuidada no Brasil, pois a edição de A Ovelha Negra, pela Record, foi desastrosa. Poderiam editar A Ovelha Negra ou Obras Completas (que na realidade é o seu primeiro livro de contos).

Mas eu sugiro ao Augusto Massi a edição do livro
Meditations, de John Donne, que nunca foi traduzido no Brasil, e contém o pequeno sermão poético que cntém as famosas frases que originaram os títulos dos livros de Hemingway (Por quem os sinos dobram) e Tomas Merton (Nenhum homem é uma ilha). São 22 meditations, mas poderiam traduzir mais alguns poemas e seria uma edição muito bem-vinda.

Por fim, precisam retomar a edição de obras clássicas da historiografia (Mommsem, Ranke, Bloch........)

Mais e mais sucesssos para a editora e todos os seus funcionários!!!!

22 de outubro de 2006

As esculturas vivas de Anish Kapoor


Acredito que é assim o nirvana: estar com o corpo dentro de uma escultura viva de Anish Kapoor. Dentro do nirvana ou da expansão milagrosa do universo. Depois de visitar a exposição deste escultor indiano, naturalizado inglês, fica difícil até a volta à realidade, já que ela não será mais vista e vivida com as mesmas dimensões.

Quem comparecer ao CCBB até o fim do ano para ver as nove esculturas de Anish Kapoor ali em exposição, certamente sairá estupefato. A escultura Ascension, que dá nome à exposição, está num galpão construído especialmente para a sua instalação. Poucos minutos que passarmos ao lado daquele pequeno furacão serão suficientes para descobrimos que nosso corpo — até nosso hálito — interfere no movimento do mundo. E, ao sairmos daquele labirinto, passamos a andar mais cautelosos para não alterar a ordem das coisas à nossa volta.

Anish Kapoor (muitos dados sobre o artista podem ser conferidos em sites da internet) — todos hão de concordar após ver suas obras — desconcerta. Ao convergir experiências das culturas oriental e ocidental, mostra-nos que as dimensões do universo e mesmo corporais são outras e não estas com as quais nos adaptamos à realidade. Descobrimos que a adaptação apenas disfarça os mistérios inalcançáveis das dimensões da luz, das cores, e do nosso próprio sangue. Se vivêssemos as profundidades reais da realidade, enlouqueceríamos. Descobrimos que nosso olhar é pequeno. Aliás, talvez o nosso olhar seja inútil para o universo em que estamos perdidos. E se um dia nos descobríssemos num universo que não alcançássemos mais nenhuma realidade? Este é o desconcerto de Anish Kapoor.

Há uma escultura que, na aparência, pode parecer inútil e de total desperdício. Trata-se de um cone composto de paredes, com uma parede-espátula móvel no centro, que move sobre uma camada de oito toneladas de cera. A parede-espátula só é movida com o esforço de oito homens. E a espátula-parede, ao ser movida, altera as ranhuras daquelas toneladas de cera. Exagero? Mas, quando ela é grande, a metáfora merece e exige uma expressão que nos desoriente. E Anish Kapoor desconserta e desorienta. O cone gigantesco nos remete para nós mesmos. Para alterarmos nossas grandes texturas internas temos de mover uma espátula de difícil mobilidade. As alterações internas do indivíduo exigem a presença de outras pessoas, no exterior, para empurrar a nossa espátula desconhecida, e, assim, gravar novas ranhuras nas texturas de nossa individualidade.

Não importa quanto longe ou perto alguém esteja perto do CCBB. Não interessa se a realidade existe, o importante é ir lá conferir.

21 de outubro de 2006

A AMIZADE NÃO ESTÁ SÓ NA VIA APIA

Quando me canso das leituras, sinto retornar aquela gana de andar solitário pela cidade. Quando é tempo de chuva ainda facilita mais. Atrai-me a cor escura que a cidade assume, parecendo que há uma realidade perdida no ar e outra querendo nascer da água.

Como me encontrava desiludido com a leitura de Minha Formação, de Joaquim Nabuco, na tarde desta sexta-feira, fui para o centro de Taguatinga — cidade satélite de Brasília, localidade que foi a minha primeira morada em Brasília.

Apesar de tratar-se de autor de leitura obrigatória de nossa formação cultural, já que contribuiu para a libertação dos escravos —, Joaquim Nabuco não deixa de contribuir para a perpetuação da idéia monárquica, para a perpetuação da idéia da hereditariedade como meio de acesso ao poder, e para a fixação de um espírito liberalizante para a consolidação de uma classe dominante, que é de onde ele veio e sempre ficou. E pior, pode contribuir para o desamor à nacionalidade.

Eu tinha de ir para a rua após ler uma frase como esta: As paisagens todas do Novo Mundo, a floresta amazônica ou os pampas argentinos, não valem para mim um trecho da Via Apia (...) Os grandes homens podem errar nas grandes definições, mas têm de acertar nas pequenas observações. Fazendo turismo pela Europa à custa do erário, na diplomacia, e fazendo o contra-serviço de divulgação da nacionalidade! Mas ele tem ambição e seus acertos, principalmente quando reflete sobre a literatura em formação naquele período (mas mesmo assim podemos notar que ali Joaquim Nabuco olha com o olhar de superioridade de quem esteve na Europa, em vez de olhar com nobreza — já que voltou ainda mais convicto do espírito monárquico — diante daqueles que procuravam fixar alguma raiz cultural numa terra ainda inóspita de tudo!). E queria desancar José de Alencar e deixar em dúvidas o trabalho de Machado de Assis.

Temos de ser mais rigorosos com os autores que não fixam um espírito de nacionalidade. Por isso minha preferência por Dante Moreira Leite, que sabe ser crítico sem destruição.

Só mesmo indo espairecer em caminhadas pela chuva! Pisar nas favas úmidas das sibipirunas. Olhar as mães felizes com as crianças a elas atracadas debaixo dos guarda-chuvas. Só assim, atracados, mãe e filho se identificam. Só andando assim ao lado deles me identifico com a cidade e com o homem. Nem me importo com o deseducado que escolhe a poça para jogar água em mim e na mãe unida ao seu filho.

Apesar da chegada do metrô e de alguns edifícios comerciais, Taguatinga não difere muito daquela cidade plena de balbúrdia de quando desembarquei em 6 de janeiro de 1971, com uma malinha de papelão nas mãos e uma caixa de livros nas costas. Se não há mais o cine Lara, onde naquele dia assisti o primeiro filme na Capital. Lembro bem que era Romeu e Julieta, de Zefirelli, e estava acompanhado de minha prima Fátima Brasil. Não me esqueço que a luz era fraca nalguns trechos das ruas da cidade e, assim que saímos do cinema, avancei de cheio numa poça d’água.

Não é novidade eu andar solitário — assim me habituei desde a minha juventude. Serve para a abertura de reflexões, e também para estabelecer paralelos entre as vidas das outras pessoas e a nossa própria vida. E mesmo paralelos entre as diversas etapas da nossa vida, paralelos com a nossa realidade e aquela que encontramos nos livros. Sem a solidão e os paralelos que a partir dela podem ser estabelecidos ninguém encontra nada em si mesmo.

Ali, comprei discos de Radamés Gnattali em ponta de estoque a menos de quatros reais a unidade. Daí já é possível estabelecer reflexões sobre a situação de miséria em que vive a cultura brasileira. Ainda de manhã, consultando a lista de livros de uma promoção num site da internet, já notara que todos os livros de poesia editados nos últimos meses estavam à venda a preços pífios.

E não é só a cultura que trafega na lâmina da miséria! Para não dizermos “lama”, já que estamos trafegando na chuva!

Um rapaz e um velho andavam à minha frente. Rápido, o rapaz voltou-se para mim, com a voz pastosa pelo uso de bebida. E me pegou de surpresa, estendendo a mão num gesto de quem pede esmola:

— Eu estava dizendo para ele (e apontou o velho ao dirigir-se a mim!): não sou muito novo para estar com a mão assim?

Saí com subterfúgios, pois poderia irritá-lo se dissesse que, aos meus dez anos, as minhas mãos calosas também já estavam marcadas. Certamente, não tão fundo como as dele.

E não só a chuva ainda traz poesia humana dentro da cidade. Ali parado perto de uma loja de roupas infantis, aguardando passar a onda mais forte da chuva, observo duas mulheres passarem com galhofices cheias de malícia. Nisso, outra mulher que estava sentada atrás de mim, num tamborete, puxa conversa. Quer saber de onde sou, coisas assim, o que faço. Logo, com seus belos olhos verdes injetados de sangue — certamente pelos esforços que a sua profissão exige — aponta para os lados de um hotel que eu já notara na ruela, e me pergunta se não desejo aproveitar a tarde para namorar. Digo-lhe que é muito cedo, e que não tinha tirado a tarde para namorar. Ela continua insistindo. Quando a chuva pára, e agradeço o convite em minha última negativa, ela conclui:

— Não há de que. A amizade é a mesma.

Só andando solitário pela cidade para saber que a amizade não é algo assim tão fluido, e que vida possa trafegar com beleza e dignidade penas na Via Apia.

16 de outubro de 2006


A vida e a obra de Puchkin, o poeta russo, sempre me atraíram. Por dois motivos: é um poeta que sempre aparece intercalado na história dos demais escritores russos, já que é um dos fundadores da moderna literatura russa. E, depois, as circunstâncias de sua morte. Em duelo com o sedutor de Nathalie, sua mulher (não compensa morrer por uma dama tão bela — olha ela aí no desenho?). Há tempos comprei, e nunca assisti, a ópera Eugêne Oneguin, já que o poema épico de Puchkin só sairá em tradução para o português — pelo menos está previsto — agora em 2006. Dentro dessa curiosidade pela vida do grande poeta, estou lendo O botão de Puchkin, estudo sobre os últimos anos do poeta, visando esclarecer a sua morte, feito pela italiana Serena Vitale. O livro reflete boa pesquisa, bom ordenamento do material, e dá vivacidade aos fatos.
Não resisto. Transcrevo aqui o poema (vejam a ousadia dos versos finais, já que foi escrito numa época de total servilhismo ao csar):

À maneira de Pindemonte

De Alexander Puchkin
Tradução de Joana Angélica D'Ávila Melo

Não me apego aos direitos reboantes
que a muitos homens viram a cabeça.
Não choro se os deuses me negaram
a sorte de opor-me a privilégios,
ou de impedir os reis de entrarem em guerra.
Em nada me magoa que a imprensa
açoite os parvos, que a censura alerta
persiga os cultores do motejo.
São só "palaras, palavras, palavras".
Outros direitos me são caros, e outra,
mais alta e bela liberdade eu amo:
servos de plebe ou servos de poder,
não será tudo o mesmo? Não prestar contas
a mais ninguém, servir e comprazer
a si mesmo somente, não baixar
a cabeça às coroas, às librés,
vagabundear conforme dita o estro,
deixar-se seduzir pela beleza,
comover-se perante a natureza,
perante as criações da mente. Isto é
felicidade, estes os direitos.

13 de outubro de 2006

Entrevista ao ESTADO DE MINAS

Neste sábado, 14-10-2006. circula no caderno Pensar, do jornal Estado de Minas, a entrevista que concedi ao jornalista e escritor Carlos Herculano Lopes, que tive a grata oportunidade de conhecer junto com Ligia Fagundes Teles em encontro de escritores — anos atrás — no circuito das águas. A íntegra da entrevista:

1) Como você vê a evolução de sua poesia desde o primeiro livro, A moenda dos dias (1979), publicado há 25 anos, até hoje, com Ruínas ao Sol (2006)?
Salomão Sousa: Nasci em 1952. Os poetas que nasceram no período em que eram lançados Invenção de Orfeu (52) e Morte e vida severina (65) — livros que sintetizam as experiências dos diversos períodos da poesia brasileira —, terão de se ajustar a novas linguagens, se quiserem participar, de forma renovada, da modernidade poética. Morreram as vertentes da poesia marginal, da poesia processo e do concretismo, além da falsa poesia de protesto praticada na vigência do regime militar. O poeta que insistir nalguma dessas vertentes estará assinando o termo do próprio funeral. Para se inserirem no panorama atual, o poeta que nasceu naquela época terá de se ajustar às linguagens daqueles que nasceram até vinte anos depois. Isto não significa que a obra anterior desse poeta não tenha cumprido o seu papel ou que não tenha funcionalidade no presente, pois aquele que fez a poesia dos anos 70 a 2000 contribuiu para a abertura das portas das buscas que são feitas hoje. Vim dessas vertentes, e, para que satisfizesse de forma mais calorosa o processo crítico e mesmo para que dele me aproximasse, tive de buscar novas alternativas para a minha poesia, buscas estas que culminaram no livro Ruínas ao sol. Mas, para isso, tive escarafunchar muito, e me auxiliou bastante a descoberta do aspecto trágico da poesia inglesa e da sutileza de Ossip Mandelstam, Eugenio Montale, Rilke… Em sua trajetória, o poeta tem de se alimentar de todas as afluências poéticas que puder abarcar sob o risco de cair na secura da esterilidade. Ou para dizer de forma mais clara: produzirá abobrinhas o poeta que não estiver aberto a novas enxertações.

2) Ainda sobre os seus 25 anos de poesia, parece que você está organizando uma antologia com todos os seus poemas? Dá para adiantar alguma coisa?
Salomão Sousa: Safra quebrada, título do livro que já está pronto para edição, foge um pouco dos parâmetros de uma antologia, mas não contempla a totalidade dos poemas dos meus livros. Deve ser editado até o final do próximo semestre, se os recursos prometidos não forem abortados. Ainda que não seja publicado, só a sua organização contribuiu para que eu revisasse a minha produção e também tomasse conhecimento do conjunto daquilo que já escrevi. A cada poema dos meus dois primeiros livros, no momento em que eu fazia a nova composição, sentia me rondar o clima pesado, negro, ameaçador do regime militar. Muitos dos poemas eu revi com aquela dor antiga que eu carregava na espinha enquanto trabalhava nas repartições públicas, ali na Praça dos Três Poderes. Dos poemas dos demais livros, sentia as incertezas da poesia das décadas de 80 e 90, que ainda não vislumbrava saídas para o beco em que ela se encontrava. Assim, pude ter mais consciência daquilo que produzi, e consolidar uma objetividade mais consciente, que auxilia na formatação de uma obra.

3) Muita gente nova tem feito poesia atualmente, e parece que as editoras voltaram a investir no gênero. Você tem acompanhado este processo?
Salomão Sousa: O investimento atual ainda é insuficiente e beira o enganoso, pois o mercado editorial e as forças críticas, acreditando que a “facilidade e a superficialidade” são suficientes para a conquista do mercado, acabam investindo – em nome da Poesia – em textos do mais desbragado e inútil prosaísmo, que não servem para a formatação de linguagens e muito menos contribui como auto-ajuda. Há muitas contradições. A poesia brasileira avançou muito em termos de linguagens que recuperam a inteligência dos tropos, a mesclagem do urbano e rural, o delírio da criação, e as espertezas da sonoridade. A sonoridade voltou a ser necessária, através da invisibilidade das assonâncias e aliterações. E ainda assim vemos carradas de obras de falsidade lírica, de anotações inúteis de incidentes cotidianos e da intimidade dos poetas. É tanta a falsidade que muitas dessas obras não conseguem ficar dois dias em cartaz, mas servem para a momentânea projeção nos grandes prêmios. Salva a atuação das pequenas editoras, como Lumme Editor, e de títulos da Cosac. Destaco dos vários poetas atuais os nomes de Marcos Siscar e de Antônio Moura, este com o vivo Rio Silêncio.

4) Além da poesia você já se aventurou por outros gêneros literários, como a prosa, por exemplo? Já pensou em escrever algum romance?
Salomão Sousa: Não sou prosador, pois não tenho o domínio da fabulação. Talvez pudesse enveredar pela crônica ou pela crítica. Mas sai muito cara, atualmente, a prática da crítica. Ela se profissionalizou, com o gravame de desprezar o colorido pessoal. Fria, impessoal, hábil no resumo. Quem foge desse parâmetro, acaba apunhalado. Qualquer crítica mais vivaz provocará tréplicas intermináveis. Perdemos a humildade, pois a homem da modernidade é auto-suficiente e intocável. E acaba saindo ruim para todo mundo. É numa ambiência de divergências que surgem as descobertas, a proliferação das novas linhagens, a renovação genética da poesia. Já é famosa a frase de Nelson Rodrigues: toda unanimidade é burra. Certa vez fiz uns comentários para o Iacyr Anderson Freitas sobre a sua poesia, e ele me respondeu com satisfação, pois ninguém ousava questionar ou mesmo apontar rumos para que ele amadurecesse o seu processo criativo. E, veja bem, o Iacyr Anderson Freitas tem o domínio da composição poética desde o primeiro instante em que se lançou.

5) Ganhar prêmios literários, como o último que você faturou — o Prêmio Goyaz de Poesia — significa o quê na vida de um escritor? Ajuda a abrir portas das editoras?
Salomão Sousa: O escritor só se constrói através da própria obra. A concessão de um prêmio pode abrir as portas da crítica, e até das editoras, principalmente quando o prêmio cuida do financiamento. Se não fossem os editores apaixonados por poesia, todos os poetas teriam de custear a edição de seus livros. Basta ver que há editores atuais que estão fazendo tiragens de duzentos/trezentos exemplares. Há livros de poesia que estão saindo em edição de cem exemplares. Só a paixão pelo livro para que um editor trabalhe numa edição de cem exemplares! Os poetas ainda são editados por outra razão muito simples: dão status ao catálogo das editoras. Se não fosse por status, o Brasil não conheceria as obras de Eugenio Montale, de Rilke e de tantos e todos os outros. Editor está atrás de autores que encham o cofre — mas o lucro é inerente a qualquer atividade econômica.

12 de outubro de 2006

12-10-06. Terminei a leitura de Kyoto, e , ato seguido, de Mil Tsuros. Só para contrariar o meu ponto de vista anterior, em Mil Tsuros há algumas sutis mortes, inclusive algumas mortes subentendidas. Quem for ler Mil Tsuros é bom saber que "tsuros" são pássaros feitos em origami. E diz a lenda japonesa que, se forem feitos mil tsuros, em origami, a pessoa será feliz. E, na confecção de mil tsuros, em grupo, é obtida a harmonia. O livro se desenrola como o próprio ato de fazer os mil tsuros, pois as decisões vão sendo adiadas, mas até no adiamento a felicidade é alcançada. Sutilezas e mais sutilezas, como dissemos anteriomente. Moral: cada ato de nossa vida é um tsuro que acabamos de montar. E devemos estar preparados para que ele seja concluído com perfeição.
Mas é bom lembrar que, quem for começar a leitura de Kawabata, deve tomar primeiro A casa das belas adormecidas, que motivou Gabriel Garcia Marquez escrever Memórias de Minha Putas Tristes, seu último livro.

E já estou em outro autor. Há muito tinha assistido o filme com Marcelo Mastronni sobre a novela Afirma Pereira, de Antonio Tabucchi, mas fiquei adiando a leitura do livro. Agora, depois de ler o livro As Verdades das Mentiras, de resenhas de Mario Vargas Llosa, não pude me conter de tomar este pequeno livro. A sua paixão por este livro me contagiou. Trata-se de uma pequena obra prima - diga-se de passagem. Li apenas 5, 5 capítulos iniciais, o suficiente para me emocionar em muitas frases. O bom livro sempre tem um grande início. Quando lemos o início de Tabucchi, não dá vontade de conhecer o resto, o próximo personagem? E a poesia da segunda frase? E, lá pelo quinto capítulo, quando entra a mocinha, e Pereira dança com ela? Que vontade dá de dançar com ela!!! Vamos às duas frases inciais:
"Afirma Pereira tê-lo conhecido num dia de verão. Um esplêndido dia de verão, cheio de sol e ventilado, e Lisboa reluzia."
E, brincando com minha sobrinha, a quem um garoto queria presentear com um anel, eu sugeria a ela narrar a sua aventura, pensando justamente em Tabucchi: "Terminara setembro. Pensando na fertilidade das chuvas, o garoto comprou o anel." Quem sabe a sobrinha, num futuro, narre as suas memórias, pensando nestas sutilezas romanescas.
De forma anônima, quanto a um tópico deste blog, recebi o seguinte questionamento, que considero ótimo, pois eu também me inquieto com a questão:

"O que é mais dificil para um poeta? Decidir finalizar uma poesia? ou se controlar para não se ver envolvido na reformulação dela?"

Não é só o poeta que se vê tentado, a cada leitura, a promover alterações na sua obra. São muitas as obras de ficção que sofreram alterações nas sucessivas edições em vida dos autores. Cite-se Os Sertões e Grande Sertão: Veredas. Veja-se o caso de estudo de Manauel Bandeira ou Ledo Ivo (estou em dúvidas neste momento sobre a autoria do artigo) sobre as alterações que Castro Alves fez no antológico poema Mocidade e Morte. Ainda ontem tomei conhecimento de uma edição definitiva do romance Pedro Páramo, de Ruan Rulfo, pois a família descobriu que, nos últimos anos, era desejo deste grandioso romancista mexicano fazer alterações em uns três ou quatro pequenos pontos desta obra capital do acervo da literatura mundial. Quero esta edição, mesmo que tenha uma edição critica lindíssima da Coleção Archivos da Unesco. Mas agora descubro que esta edição crítica da Unesco, afinal, não é a definitiva. Portanto, as alterações continuam pos morten. Ainda agora sai edição de luxo do Corpo Geral, do Guimarães Rosa, retomando a disposição original deste ciclo de novelas, já que ele manifestou este desejo em carta ao poeta Alphonsus Guimaraes Filho.

Portanto, o poeta é um ser dialético, que está em constante aprendizagem, e tendo sendo novas visões sobre a escritura e a estrutura de seus poemas. Não é à toa que as primeiras obras de alguns poetas acabam sendo banidas do corpus de suas obras. João Cabral de Melo Neto extirpou do corpus de sua obra completa a maioria de seus poemas iniciais, bem como reescreveu muitos outros.

Há poemas que nascem inteiros e que não merecem reescrições. Assim, a dificuldade não é a reescrição, mas o momento de decretar o estado definitivo de uma obra. E mais que o momento definitivo, dificuldade para o poeta é o instante do nascimento do poema, de sua gestação, pois, depois de sua primeira redação, algum caminho está definido. Agora, quando tempo este caminho exige a presença do poeta, é uma incógnita. Eu gosto de reescrever. E acredito que nunca perdi com isso.

10 de outubro de 2006

De tanto o Robson insistir, improvisei dois minicontos e postei no desafio literário da Unisinos.
http://www.unisinos.br/desafio_literario/

A santa boa

Quem viajou menos, viajou três dias. Só para ficarem todos juntos com as escrófulas no tanque de água benta.

Rodoviária

A pasteleira e sua pequena filha ajeitam os pastéis em fila.

A MORTE DO CUBANO GUILLERMO CABRERA INFANTE

Lamentei não poder participar do féretro do cubano Guillermo Cabrera Infante, que, às 23h15 de 21 de fevereiro de 2005, no hospital Chelsea and Westminster, faleceu em Londres, onde vivia exilado, vítima de pneumonia, complicada pela diabete, após ter se internado dias antes em razão da fratura do quadril. Sempre que morre um dos meus escritores preferidos, tenho a sensação de que fiquei um pouco menor, assim com menos dias. São poucas as vezes que me sinto assim um pouco mais órfão. A última vez aconteceu com a morte do amigo José Godoy Garcia. Os grandes escritores me protegem da ignorância e da sensaboria da vida.

Nascido em Gibara (Cuba), em 22 de abril de 1929, Cabrera Infante é uma das figuras de maior destaque da intelectualidade latino-americana. Formado em Medicina, que abandonou pela Literatura. Formou-se em seguida em jornalismo e, ao praticá-lo, chegou à sua outra grande paixão – o cinema. Em 1951, fundou a Cinemateca Cubana.

Chegou a estar preso na campanha para derrubada de Fulgêncio Batista. Com a chegada de Fidel Castro ao poder, aceitou o cargo de adido cultural em Bruxelas, pois, conforme declarou, “não agüentava ficar em Habana. Não suportava ver-me transformado num corrompido”. Depois de criticar o regime de Fidel pela ligação ao comunismo e prisões, pediu asilo político à Grã Bretanha. A última vez que esteve em Cuba foi em 1965 para assistir o enterro da mãe. Vivia em Londres, onde exercia o jornalismo.

Na oportunidade em que anunciou a morte do marido, a atriz Miriam Gómez disse que "Ele morreu sem pátria, mas sem amo. Ele levava Cuba dentro dele. Sua Cuba não existe mais."

Além de trabalhar para o cinema, principalmente no roteiro de Debaixo do vulcão, é na literatura que se destaca. No romance Três tristes tigres, de 1967, em catálogo no Brasil, Cabrera Infante usa linguagem descontraída e cheia de trava-línguas para recriar a cultura, a música e a noite da Havana pré-revolucionária, com os cabarés e cassinos controlados por gângsters. Outros livros de Cabrera publicados no Brasil: Vista do amanhecer no trópico, Havana para um infante defunto, Mea Cuba, Delito por danar o cha-cha-chá, e Puro fumo.

Era um sério candidato ao Nobel após ganhar, em 1967, o Prêmio Cervantes, maior condecoração da literatura espanhola. Em Vista do amanhecer no trópico o leitor encontrará a capacidade de Cabrera Infante para a condensação, a ironia, a pureza narrativa — caracteres peculiares de toda a sua obra. Em Havana para um infante defunto e Mea Cuba, além da versatilidade do seu texto, estão a sua paixão e a sua tristeza por não poder retornar ao solo pátrio. Com a sua morte o mundo das letras está menos inteligente.

Continuo a minha leitura da obra de Yasunari Kawabata, Prêmio Nobel de 1968, que suicidou em 1972. Difícil compreender o suicídio de um escritor que expôs com tanta ternura as sutilezas dos gestos humanos. Estamos nos desabituando a ver na arte a vida enquanto vida. E os japoneses são mestres nestas sutilezas, basta ver os filmes Ozu. Os personagens de Ozu, em seus conflitos internos, não precisam dar tiro, esfaquear. Não me lembro de nenhuma morte nos filmes de Ozu. Os seus personagens são criados para viver.
No discurso de recebimento do Prêmio Nobel, o poeta Salvatore Quasimodo disse que o político quer que os homens saibam morrer corajosamente, enquanto poetas querem que os homens vivam corajosamente.
Kyoto, romance de Kawabata, recentemente lançado pela editora Estação Liberdade, é um hino de amor à cidade que dá título ao livro. E um hino de amor à vida, de uma vida vivida corajosamente. Leio cada frase com a emoção à flor da pele. Leio cada livro de Kawabata com o desejo de ele não chegar nunca ao fim, pois temo que, ao concluir a sua leitura, o mundo volte a perder o amor à vida.

8 de outubro de 2006

Reformulei um poema que está postado abaixo. Será que melhorou?

Estive com convivas nas esquinas
Gafanhotos agarrados às folhas de milho
e homens disputavam decisões do destino
Estive nas estradas de Muquém
aquém de mim viviam os milagres

De Anicuns trago novos bordados
serragem, serradões trago das trilhas
e nas roupas desmanchadas gotas de orvalho
Aprendi novas fisgadas em Aruanã
Trago o brilho das fiadas de peixes
Outros trajetos de nuvens
jeitos de ver a nudez, luzir as louças
Outras descidas aos poços das barras
As caixetas feitas com zelo
pus no bornal em Santa Luzia

Vamos fazer greves nas esquinas
Vamos às barras colher embiras
Sangrei em todas as trilheiras
Volto de Anicuns, de Palmira
das cheias altas, das estivas
De Floripa vêm ripas de gelo
De Palmelo, a loucura nos cabelos
Com desertos da morte eu estive
larvas brancas, esconderijos de sal

Domingo lento

É um domingo branco, que foi lavado pela forte chuva da véspera. Sobre o branco do papel, a visita de uma formiga, destas que crescem sob as cascas da madeira. Quantas vi na infância fugir enquanto a lenha se queimava na fornalha, assustadas, sem rumo, pela perda da moradia.

Ela circula, desce, se perde entre os livros. Da vizinhança, não só as vozes festivas, também chega o batuque de um pandeiro.

Terminou o disco de Andrew Hill, de competência para os arranjos de seus discos jazzísticos e para as perfomances ao piano. A formiga retorna e fica em dúvida quanto ao destino.

Leio Salvatore Quasimodo. Quem não esteve perdido numa ilha? Num livro, numa folha em branco? Já não teve a vontade de partir? Traduzo o poema O Alto Veleiro só porque contém a palavra "limoeiros", pois é minha intenção, num futuro distante, organizar uma antologia só com poemas que tragam as palavras "limões" e "limoeiros". E será dedicado à Mara Puljiz, que vi crescer entre limões. São rara as crianças de hoje que terão desmanchado um ninho de formigas para saber que elas, antes de cescerem, são pequenas larvas brancas, cheias de gosma. Se o livro nunca sair, fica aqui a dedicatória à Mara Pulgizz, que viu muitos ninhos de formiga.

Chega também um e-mail do Herondez Cézar com uma carta de Cortázar sobre a morte de Che. Deixo aqui um pedaço da carta para a Nayara, que conheci ontem na Livraria Cultura, onde falamos de Cortazar. O universo da cultura é feito de pessoas que circulam procurando ninhos de formigas, buscando onde ancorar um pouco de sua humanidade. Nayara, olha que lindo o pedaço da carta de Cortazar: Quiero decirte esto: no sé escribir cuando algo me duele tanto, no soy, no seré nunca el escritor profesional listo a producir lo que se espera de él, lo que le piden o lo que él mismo se pide desesperadamente.

E a tradução do poema de Salvatore para todos os amigos do dia, principalmente para as viagens brancas de Ronaldo Costa Fernandes. E também para a formiga.

O ALTO VELEIRO


Salvatore Quasimodo


Quando vieram pássaros mover as folhas
das amargas árvores que rodeiam minha casa
(eram cegos voláteis noturnos
que cavavam seus ninhos nas cortiças)
levantei o rosto para a lua
e vi um alto veleiro

No perfil da ilha o mar era de sal;
a terra se estendia e antigas
conchas brilhavam aderidas às rochas
sobre a enseada de limoeiros anões.

E disse à minha amada em que se agitava um filho meu
e por isso tinha sempre o mar na alma:
“Estou cansado destas asas que batem
num ritmo de remos, e das corujas
que se lamentam como cães
quando há vento de lua nos caniços.
Quero partir, quero deixar esta ilha.”
E ela: “Oh, querido, já é tarde: fiquemos.”

Então fiquei a contar lentamente
os reflexos vivos da água marinha
que o ar juntava em meus olhos
a partir do corpo do alto veleiro.



Mandei hoje a nota abaixo para os amigos do orkut. Poderia ter acrescentado que foi publicada crônica minha no jornal A VOZ, de Silvânia GO). A crônica é a propósito do aniversário de Silvânia, minha cidade, no último dia 5 de outubro. Nossos abraços afetuosos para o André Leones, que, ne mesma edição do jornal, noticia o lançamento do Ruínas ao Sol e outros parangolés afetuosos (pode ser vista no seguinte endereço: http://canissapiens.blogspot.com/, blog deste novo escritor goiano, de legítima genética silvaniense, recentemente premiado).
O jornal A VOZ pode ser conferido no seguinte endereço: http://www.aprendizadomarista.com.br/jornal_a_voz.htm
A nossa crônica saiu na 46ª edição, que ainda aguarda postagem.

Recebi de Natal (RN) o n° 32 da revista Papangu, com artigo do poeta Lívio Oliveira sobre a nossa obra poética, principalmente sobre o livro Ruínas ao sol. Junto com a revista, o poeta me mandou o seu livro Telha Crua.E, neste domingo, 8, em Goiânia, no Jornal Opção, foi publicada a minha crônica sobre a viagem que fiz a Bom Despacho (MG). A crônica pode ser conferida nmo meu blog (www.safraquebrada.blogspot.com) ou na versão online do jornal (http://www.jornalopcao.com.br/), rolar até o ícone Opção Cultural e, dentro da página, procurar a minha crônica. Na mesma edição do jornal, resenha do meu amigo Ronaldo Costa Fernandes.Bom fim de semana para todos os amigos

5 de outubro de 2006

Poema novo para os convivas

E se ela viesse a nau dos dias iria ancorar
em ondas de homens em carne viva
Ah! se cumprisse a visita numa noite
estopas, taipas mortas se acenderiam
Muitos mortos aguardam de olhos vivos
E se ela viesse viriam fadas, falas, cavalarias
viriam virtudes que antes se emudeciam
Fazem carnaval os poetas, as madeiras,
as montanhas aprontaram os ouvidos,
os leitos secos dizem que estão limpos
Ah! se ela viesse viriam as chuvas
os mastros das bandeiras, os convivas
Viriam as vozes, viriam as águas-vivas
Não era ela vir com a vivacidade da manhã
Às vezes a rosa é rosa por não vir

2 de outubro de 2006

Lista com sugestões de leitura preparada junto Alaor Barbosa e Napoleão Valadares

Durante a viagem de volta de Bom Despacho, eu e Napoleão Valadares e Alaor Barbosa elaboramos uma relação de livros que sirvam de formação de leitores entre 10 e 15 anos. Tentamos a elaboração de outras listas, mas o debate da obras de Guimarães Rosa, Bernardo Élis e José Godoy Garcia acabou se sobrepondo aos demais assuntos.

Quanto à lista de livros para a formação do gosto pela leitura, o Alaor deu preferência a quatro livros de Monteiro Lobato: Reinações de Narizinho, Chave do Tamanho, O Saci e A Caçada de Pedrinho.
Os demais livros de nossa lista: Encontro marcado, de Fernando Sabino; O braço direito, de Marcos Rey; A Ateneu, de Raul Pompéia; Meu pé de laranja lima, de José Mauro de Vasconcelos; O cego de Ipanema, de Paulo Mendes Campos; Ai de ti, Copacabana!, de Rubem Braga; Menino de engenho, de José Lins do Rego; Iracema, de José de Alencar; A hora da estrela, de Clarice Lispector; Uma vida em segredo, de Autran Dourado; Introdução à poesia brasileira, que contém antologia organizada por Manuel Bandeira; e Quincas Berro D'Água, de Jorge Amado.

E montamos uma lista de livros de autores estrangeiros que contribuem para a formação do gosto pela leitura: O velho e o mar, de Hemingway; Os meninos da rua Paulo, de Ferenc Molnár, que tem edição nova pela Cosac e Naif; A comédia humana, de Saroyan (lamentável que a tradução dispon´vel existente esteja tão ruim, mas mesmo com a tradução e a revisão ruins, o livro não deixa de ser cativante); O visconde partido ao meio, de Italo Calvino; Viagem ao centro da terra, e A volta ao mundo em 80 dias, de Júlio Verne; As aventuras de Tom Sawyer, de Mark Twain; Amor de perdição, de Camilo Castelo Branco; A ilustre casa de Ramires, de Eça de Queiroz; O pequeno príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry; O menino do dedo verde, de Maurice Druon; a noveleta O capote, de Gogol, que contribuiu para a formação da literatura russa, clima, olha! perfeição; A mãe, de Gorki; e qualquer livro que tenha algum conto ou vários contos de Tchekov. Quem não leu um conto de Tchekhov vai morrer bem menor, bem menos humano. Só não lê quem não quer, pois a lista de livros apaixonantes é interminável.

Chegamos a completar a lista dos setes melhores atores do cinema nacional: Raul Cortez, Othon Bastos, Leonardo Villar, Carlos Vereza, Lima Duarte e Milton Ribeiro. Não conseguimos completar a lista das melhores atrizes.

VIAGEM COM GUIMARÃES ROSA A BOM DESPACHO

Riquíssima a nossa viagem a Bom Despacho, em Minas Gerais, para participar da VI Feira do Livro daquela cidade, a convite do escritor Jacinto Guerra, organizador do evento e construtor do desenvolvimento cultural daquela região. Visitamos o patrimônio histórico-cultural, participamos de debates, de oficina literária, de lançamentos; e, no retorno a Brasília, pude conhecer, em conversa com os escritores Alaor Barbosa e Napoleão Valadares, que são especialista em João Guimarães Rosa, peculiaridades da gênese do romance Grande Sertão: Veredas.

Ficamos instalados no SESC, onde foram realizados todos os eventos da VI Feira do Livro de Bom Despacho e Cidades Vizinhas, exceto a feira do livro e as conversas com escritores na Praça da Matriz. Na abertura do evento, debate sobre as origens históricas da criação do município de Bom Despacho, com destaque para o depoimento de Orlando Ferreira de Freitas, historiador e genealogista, autor do livro Raízes de Bom Despacho. Além da palestra de Alaor Barbosa sobre o regionalismo brasileiro, ainda merece destaque a participação do escritor e jornalista Ozório Couto sobre o tema "Drummond e Emílio Moura: a poesia brasileira em Itabira e Dores do Indaiá". Ozório Couto, um dos grandes conhecedores da obra de Drummond, e autor de um livro sobre a relação dos dois poetas, foi feliz na conceituação da amizade como um dos principais sentimentos do homem.

Sobressai ainda, nesta aventura de Bom Despacho, a viagem de volta junto com Alaor Barbosa e Napoleão Valadares, pois são especialistas na obra de João Guimarães Rosa e travaram animadas discussões sobre a gênese do romance Grande Sertão:Veredas, que comemora 50 anos agora em 2006.

Antes é bom lembrar que João Guimarães, certa vez, desceu do trem em Bom Despacho para visitar um seleiro amigo, a quem presenteou com um exemplar da primeira edição do Grande Sertão: Veredas pelo conserto de uma sela. A confidência dessa relação de Guimarães Rosa com Bom Despacho foi feita a mim e a Jacinto Guerra pelo músico Vagner, neto do seleiro, que encontramos na biblioteca pública fazendo pesquisas para um disco que prepara sobre música folclórica da região. Vagner confidenciou mais: o exemplar autografado está na Bahia, mas há possibilidade de ser cedido ao museu de Bom Despacho.

Não vou conseguir dar ordem a todas as discussões dos dois amigos, principalmente pela informalidade em que elas se deram, e também pelas condições naturais que interferem nas conversas das pessoas que estão em viagem. Mas tentarei recuperar alguns flashs. Por exemplo, o Alaor lembrou que Riobaldo esteve no Jalapão numa época em que a localidade não era atração turística. Alaor Barbosa e Napoleão Valadares relataram ainda os encontros que mantiveram com Manuelzão e com Sidraque. Alaor acredita que Diadorim está enterrado no Paredão e chegou a visitar o cemitério daquela localidade. Já Napoleão tem dúvida quanto a essa hipótese, e, no encontro com Sidraque, pôde apurar que não existe o sobrado descrito no romance. Sidraque lhe disse que isso foi invenção do romancista; no entanto, disse que no lugar da descrito até existe algumas estacas.

Ambos foram unânimes em reconhecer que ao Grande Sertão: Veredas estão enxertados personagens reais. Napoleão Valadares, que tem o punhal, o facão e o cabo de taca de Antônio Dó, fez vasto relato da vida real desse personagem, que foi perseguido por várias missões policiais. Na primeira delas, o chefe morreu afogado na fuga. Fez um relato especial, colorido de detalhes, sobre a luta de Antônio Dó com Alcides do Amaral. Lembrou que esse delegado de São Francisco tinha um cachorro com um dente de ouro, o qual levava para atacar presos, pois “gostava de ver o sangue escorrer no ouro”.

Foi saboroso ouvir Napoleão Valadares narrar a história do seu conto “De Dó”, publicado no livro Campos Gerais, editado em 2004 pela André Quicé Editora. Em Grande Sertão: Veredas, João Guimarães Rosa conta parte da vida dos jagunços Faustino e Davidão e sugere que algum outro autor complete a história. O conto dá continuidade à história dos dois jagunços, que negociam um pacto de morte. Só lendo para crer nos entrechos e no final.

O escritor Alaor Barbosa, um dos mais importantes ficcionistas de Goiás, especialista na obra de Monteiro Lobato, e amigo e amante da obra de João Guimarães Rosa, comentou os seus projetos literários para os próximos meses. Primeiramente, organização de um livro para a LGE — ainda sem título — com artigos que escreveu ao longo de sua vida sobre a obra de Bernardo Élis. E, ainda, publicação de Sinfonia Minas Gerais: vida e literatura de João Guimarães Rosa, e O Romance Regionalista Brasileiro — Origens: obras fundamementais, evolução: obras capitais; e reedição do romance Memórias do Nego Dado: Bertolino da Abadia. E vem fazendo estudo, principalmente com visita às fazendas de Piracanjuba, com vistas a escrever um ciclo de romances sobre a história de sua família.

Passamos por Pompéu, cidade vizinha a Bom Despacho, para uma visita relâmpago à escritora Edméia Faria. Mundo pequeno. Ao entrarmos num bar para “verter água” um filho de Arinos reconheceu Napoleão Valadares. Enquanto conversávamos com aquele filho de vizinhos da fazenda da família do Napoleão, uma garota encostou a bicicleta no meio-fio. Após dirigir-se ao balcão e pedir um lanche, escolheu a cadeira próxima à porta de saída do bar para se sentar, e ali ficou iluminada pelo sol escaldante do meio da manhã, com as pernas vazando douradas do short curto. Mas não disse com a boca úmida de gordura:

— Salomão! Eu te conheço.

27 de setembro de 2006

Passarei três dias em Bom Despacho (MG), numa feira cultural, a convite do escritor Jacinto Guerra. Participarei de uma mesa de debates de literatura. Retornarei da viagem com os escritores Alaor Barbosa e Napoleão Valadares. Nas horas de repouso, estarei estudando o processo poético com Antônio Cândido, através do livro "O estudo analítico do poema", da editora Humanitas.
Enquanto isso, deixo para os amigos o meu último poema:

Estive com gafanhotos das esquinas
eram de luzes nas folhas de prata
homens disputavam
as decisões do destino

De Anicuns trago novos bordados
e de trilhas da serra
nas roupas gotas de orvalho
Aprendi a fisgar em Aruanã
trago o brilho das fiadas de peixes
Outros trajetos de nuvens
Outros jeitos de ver a nudez
de achar poços nas barras
A caixeta feita com zelo
pus no bornal, em Santa Luzia
Em Palmelo a loucura nos cabelos
De Floripa vêm ripas de gelo
Com feixes de fogo eu estive
braças de bem, esconderijos de sal

Estive nos milagres de Muquém
em esquinas de greves
em disputas de destinos
Sangrei em todas trilheiras
Volto de Anicuns, de Palmíria
das cheias altas, estivas

21 de setembro de 2006

A ARTE DA CALHORDICE

Desde o fracasso dos regimes socialistas, foi decaindo a importância do envolvimento social da obra de arte. E essa tendência mais recrudesceu com o sucesso dos movimentos de vanguarda. Passou-se a preocupar mais com a liberdade individual, que cresceu tanto que passou a prevalecer sobre a ética coletiva.

Não pregamos o policiamento da arte, mas o questionamento das vozes em que é feita a obra de arte. Dependendo da voz em que ela é composta, acaba servindo a interesses prejudiciais à formação do indivíduo e à pratica da sociabilidade. Ainda recentemente ouvi um texto que usa a voz de um elemento criminoso para desancar a paz. É preocupante, pois o texto serve à apologia da violência àquele que não está inserido no ordenamento da paz, pois o texto não apresenta um contraditório a esta voz que prega a apologia violenta.

Outro susto dentro de minha casa. Dois artistas de ampla aceitação popular apareciam na tela da televisão, com rostos esborrachados, transpirando a bebida e cantando uma música de apologia à cerveja. Acreditei que se tratava de uma propaganda contratada pela indústria do setor. Como o clip foi se estendendo, extrapolando os limites de um comercial, pude constatar que era uma música já inserida no gosto popular.

Portanto, não era a arte da breguice, mas a arte da calhordice. Leonardo e Zeca Pagodinho, talvez atraídos (ou mesmo remunerados) pelo mercado, tenham aderido a uma publicidade indireta numa área que mais dá prejuízos ao país: a bebida. Prejuízos com a saúde individual, com o ordenamento da família e a produção no trabalho. Adoeço todas as vezes em que passo pelas pequenas cidades de meu Goiás e noto a juventude adoecendo com "a latinha na mão". Lamentável que a arte se proponha à calhordice do chamamento comercial.

Especial para A VOZ, jornal de Silvânia

A Terra do Coração

Nasci à beira do rio Calvo. A fazenda de meu avô nem chegava a ter nome. Chamavam-na de Fazendinha. E só agora, quando convidado pela A Voz a falar sobre o 325º aniversário de Silvânia, comemorado em 5 de outubro, foi que me preocupei com o nome do lugar em que nasci. Ainda no Festival de Poesia de Goiás — depois de eu dizer no recebimento do Prêmio Goyaz de Poesia pelo livro Ruínas ao Sol que nasci às margens do rio Calvo — o poeta Gilberto Mendonça Teles ainda brincou comigo, alegando que eu não podia ter nascido perto de um rio, “pois Silvânia não tem rio”.
Saí de Silvânia há 35 anos, portanto só posso abordá-la com o olhar da juventude. E, se de juventude, olhar de inocência. Não é à toa que as minhas primeiras matérias jornalísticas foram publicadas em Silvânia com a afoiteza de um crítico ainda em formação. Nunca me arrependi daqueles comentários, pois eles contribuíram para atitudes administrativas à época —, mas hoje a minha abordagem se daria com maior leveza, pois a experiência nos conduz a tons esmaecidos.
Um de meus projetos será reunir aspectos históricos do município de Silvânia para produção de um texto que possa apresentar a cidade em alguma página da internet. Noutro dia, ao consultar a Wikipédia, pude notar que a cidade ainda não se apresenta com a sua grandeza no meio virtual. Datilografei umas três linhas e criei o verbete para a cidade. Só aí já assumi o compromisso de ampliar a sua divulgação, afinal, Silvânia não é só um quadro na parede ou um verbete na memória.
Como não me encontro fisicamente na cidade, perdi o contato político com ela. Lembro-me do Dr. Misac à porta da prefeitura articulando as campanhas políticas no período que antecedeu o regime militar. Agora a política não se dá apenas pelo comando dos mandatários, mas pelos meios de comunicação e pelos programas sociais. Em Silvânia não deve ser diferente. No entanto, com essas novas compreensões, a população deve se comprometer com políticos que coloquem a cidade nas rubricas orçamentárias.
O importante, para mim, é que a cidade ganhe maturidade cultural, e crie alternativas que não deixe a sua juventude apenas com a opção etílica. No meu caso, teve influência fundamental a existência de bibliotecas em funcionamento na cidade (a Biblioteca Municipal e a do Ginásio Anchieta). E os filmes de hoje não tem a mesma intensidade daqueles que vi em Silvânia com o olhar atento da juventude! Se não fossem essas bibliotecas, o cinema e o Ginásio Anchieta, neste momento, em vez de estar inventando estas linhas, poderia estar na beira do rio cavando valas para plantar batata ou para enfiar meu fracasso. Ainda noutro dia, conversando com o poeta Ronaldo Costa Fernandes, ele enfatizava que — mesmo que tenha um único leitor — uma cidade tem a obrigação de manter uma biblioteca.
Portanto, o que me preocupa é a formação cultural. E até nisso a cidade progrediu. A instalação da Rádio Rio Vermelho foi um avanço extraordinário para o desenvolvimento social; a ampliação da rede de ensino, inclusive com a instalação de uma faculdade, veio cimentar a capacidade de questionamento da população. E, a partir do Pallas, a cidade passou a se preocupar com o seu registro histórico, com a preservação do seu patrimônio... Até aquele período, registrava-se apenas a derrubada. Silvânia — se esse movimento tivesse começado há uns cinqüenta anos — poderia ombrear com as cidades de Goyaz e Pirenópolis em importância turística. Mas foram abaixo a Praça do Rosário, com seus sobradinhos, com sua igreja, sem esquecer que demorou a contar com boas estradas que a colocasse numa rota turística que motivasse a conservação de seu patrimônio.
Espero que alguém assuma a revitalização do cinema! Em vários municípios isso já aconteceu! A minha amiga Rosângela mantém o de Paracatu com o maior sucesso, com ingressos a dois reais para as escolas! E que os pais exijam que seus filhos leiam trinta minutos para cada hora que ficar no computador ou com os carros estrondando banalidade na avenida! A leitura nos conecta com o conhecimento e nos projeta para as realizações.

***

Não sei com quantos metros se mede um leito de água para estabelecer que ele é rio, ribeirão ou qualquer outro nome oficial que se tenha de dar. No entanto, os olhares da infância sempre vêem com maior grandeza do que os olhares do adulto. Se é córrego ou não, para mim até o rio Vermelho será para sempre um rio. As pessoas de minha infância não faziam essas distinções. Todo curso de água era rio; toda elevação de terreno era morro; todo ajuntamento de árvores era mata. E a terra do coração será sempre Silvânia.

15 de setembro de 2006

Gosto dos poetas trágicos e objetivos, que enxugam o texto de todo percurso desnecessário. Assim é com a obra do grego K. Kaváfis, que têm toda a sua obra canônica editada agora no Brasil pela editora Odisseus, em tradução também objetiva de Ísis Borges B. da Fonseca. São 154 poemas de toda uma vida. Ou de muitas vidas, se vão se inserindo em outras vidas, basta ver a minha, que não é a mesma vida depois de ter contato com eles.

O meu contato com Kaváfis vem de bem antes. Desde que conheci o poema 14. Esperando os Bárbaros, que é conhecido em quase todas as línguas e por quase todos os homens, principalmente os poetas.

Mas tudo que eu disser será inútil. Já que o poemas podem dizer tudo por eles mesmos. Quem não treme diante desse poema de Kaváfis:


23. A CIDADE


Disseste: "Irei à outra terra, irei a outro mar.
Uma outra cidade há de achar-se melhor que esta.
Cada esforço meu é uma condenação fatal;
e está no meu coração — como morto — enterrado.
Meu espírito até quando ficará neste marasmo?
Para onde volte meu olhar, para qualquer lugar que atente
ruínas negras de minha vida vejo aqui,
onde tantos anos passei, e a destruí e arruinei".

Novos lugares não encontrarás, não encontrarás outros mares.
A cidade te seguirá. Às mesmas ruas voltarás.
E nos mesmos bairros envelhecerás;
e nestas mesmas casas encanecerás.
Sempre a esta cidade chegarás. Quanto a outros lugares — não tenhas esperanças —
não há navio para ti, não há caminho.
Assim como destruíste tua vida aqui
neste pequeno recanto, em toda a terra arruinaste-a.

Que encanto no diálogo de duas vozes, assim partindo de um mundo sem referenciais. Serve para qualquer país, qualquer desnorteamento ético. Encanecerás — ficar de cabelos brancos. Vamos ficando tão distante dos grandes vocábulos!

Ah! me deu vontade de fazer um poema sobre esta cobrança de uma melhor atuação em favor dos locais de que saímos. Eis o poema que ainda estou construindo:


Algo já fizestes por tua cidade
Andastes pelas grotas
pelas ruínas de suas minas
que uma cidade é antes
o que homem esgota e funda
e falseia: arrobas de ouro, sinetes
Nas crostas dos quintais
cavastes fundo para murações
Bebestes das águas
olhastes para os galhos
Ajeitastes na cumeeira as telhas
e murmurastes sob o céu
investido de sol e solidão
Fizestes: guardastes nomes
codinomes de cores, grená
inseticidas nas narinas
gritos nos muros
só para que tremesse
a mulher insone por ti
E no bornal não levavas
só as poucas moedas
Levavas o mofo, o descorar
da liturgia dos mortos
Partistes: e ainda que tenhas
a cabeça no torno
será sempre exigido de ti
outra gota de óleo
outra próxima lâmpada

13 de setembro de 2006

Assim como fiz uma lista de livros preferidos, faço também a lista dos meus 10, que seriam 100 discos de música brasileira preferidos. É claro que ficam faltando Baden Powell, Nara Leão... Não posso colocar em ordem númerica, pois seria injusto com qualquer um deles. Se você não tem pelo menos 5 discos destes em casa a sua casa, me pedoe, está muito vazia:

@) Falso Brilhante, de Elis Regina, com músicas de Belchior. Mas e a Elis do "Bêbado e Equilibrista", e da parceria com Tom...
@ Construção, de Chico Buarque, que reconstrói o cotidiano de Noel Rosa. Mas e os três primeiros discos, e os do meio da carreira, oh meus caros amigos: tenham Chico inteiro.
@)Elizethíssima, de Elizeth Cardoso, pela perfeição da interpretação
@)Muito, de Caetano Veloso, pela maturidade da sonoridade brasileira
@)Alucinação, de Belchior
@)Travessia, de Milson Nascimento (a descentralização da música brasileira)
@)Foi um rio que passou na minha vida (1970), de Paulinho da Viola
@) Gente da Antiga (1970), de Pixinguinha, Clementina de Jesus e João da Bahiana (Do Pixinguinha pode ser qualquer um, mas se estivesse em catálogo). Não sei como as gravadoras brasileiras deixam discos clássicos fora de catpalogo!
@) Clementina de Jesus, de Clementina de Jesus (qualquer disco também é importante)
@) Vadico, disco homenagem ao compositor Vadico com vários músicos, pela Quarup. Sacanagem um disco destes ficar fora de catálogo!
@) Um de Rafael Rabelo, mas o que ele fez com músicas do Tom Jobim também está fora de catálogo. Escolha um você mesmo e não arrependerás.

A carta entregue na velhice

Quando li a trilogia da crucificação encarnada, de Henry Miller, fui atraído para a obra de Knut Hamsum. Principalmente para o romance Um vagabundo toca em surdina (há edição nova pela Itatiaia), que tem uma poeticidade extraordinária, e que influenciou não só Sexus, Plexus, e Nexus, mas quase a totalidade de obra de Henry Miller. Antes, tinha lido Fome, na bela tradução da coleção Nobel, por Carlos Drummond de Andrade. Hoje, ao pegar o livro, saltou na minha frente este parágrafo:

"Quando chega a velhice, deixamos de viver o presente e passamos a viver de recordações. Chegamos como uma carta ao seu destino; deixamos de ter caminho a percorrer. Resta-nos, unicamente, saber se a nossa passagem pelo mundo desencadeou turbilhões de penas e alegrias, ou se a nossa vida nos deixou uma única sensação."

Tenho medo de já estar ficando velho, pois a todo instante alguma sensação do passado quer sobrepujar sobre os turbilhões que preciso viver no presente.
Talvez ainda não esteja tão velho, pois o mesmo Knut Hamsum, no mesmo romance, diz que "a gente velha se lembra das datas". E quase me esqueço das datas do dia anterior.

Alguma manobra temos de engendrar para enganar a velhice, não deixar que ela bloqueie o caminho a percorrer. A manobra, para continuar o pensamento do romancista norueguês, consiste em continuarmos a escrever a carta para que seja encaminhada ao seu destino o quanto mais tarde possível. Pois, se dizemos: cumpri a minha missão; assumimos que a carta foi entregue. A manobra, portanto, é não esclerosarmos o pensamento, as relações, a nossa realidade.

Ainda noutro dia eu brincava com a minha neta e suas amigas: gosto de vocês. Pois com as pessoas velhas é só colesterol, catarata, diabete...

E para vencermos a catarata, o colesterol, a Lejânia Bello me ajuda com seu pensamento: "para isso há de ser criativo... ousar... desafiar..." Desafiar os próprios limites da esclerose, da catarata, do diabetes. Ainda recentemente visitei um casal muito idoso, que teve uma participação importante em minha vida — que não cabe aqui relatar. Ele resistia com a carta na mão — falou sobre política, puxou relembranças, mostrou-me detalhes do seu ambiente. Quanto a ela — não podia mais ousar. E não queria assumir isso, pois, apesar de "poder", ela não levantava o rosto para ninguém. Naquele instante eu reconheci que ela entregou a sua carta. E eu fui um dos destinatário de boa parte de seu conteúdo.

Já que será inevitável a entrega da carta ao seu destino, que até lá — com todas as manobras que consigamos tecer — possamos entregar um conteúdo que nos torne digno de poder abaixar a cabeça. O seu conteúdo terá de interferir de forma ferina na nossa descendência. Nossos descententes compreenderão que aquele que abriu as estradas de seus destinos, dando a própria estrada que percorria, pode abaixar a cabeça, sem humilhação, para refletir e descansar. E não desejarão arrancar de nós novas forças.

Mas como eu pretendia apenas divulgar Knut Hamsum, transcrevo aqui o primeiro parágrafo do mesmo romances (Um vagabundo toca em surdina). Veja como os caminhos devem anunciar sempre um mundo renovado, mesmo quando nascem com novas cores de nossos pensamentos:

"O ano se anuncia bom para as frutas selvagens: amoras, mirtilos, uvas brancas. Não se pode, evidentemente, viver de pomos silvestres, mas a sua presença empresta ao bosque um ar festivo. E quantas vezes nos refrescam a sede e nos matam a fome."
"Foi no que ontem pensei
."

10 de setembro de 2006

Eu, Fernando Mendes Viana e o coração



E Fernando Mendes Vianna enaltecerá sempre o coração:

CANÇÃO DO CORAÇÃO

Coração, cavalo verde
Com espumas, vento e mar.
Coração, cavalo verde,
teu galope é navegar.

De esmeralda, este cavalo
me conduz até o gral.
Meu destino é galopá-lo
e desvendar o animal.

Ó cavalo da esperança,
que ânsias na sua crina!
Que importa se ele me cansa:
galopá-lo é minha sina.

Coração, cavalo verde
com espumas, vento e mar,
coração, cavalo verde,
teu galope é navegar.

Pequena lembrança de Fernandes Mendes Vianna

Se eu e Ronaldo Costa Fernandes soubéssemos que não mais teríamos oportunidade de voltar a encontrá-lo, não ficaríamos ali estáticos na Livraria Cultura, no sábado que antecedeu ao seu falecimento, fazendo promessas de marcar encontro com o amigo Fernando Mendes Vianna.

Antes, em 4 de setembro, ao ir à Feira do Livro de Brasília para o lançamento do livro Meninos, eu li, de Alan Viggiano, ele me abraçou com o afeto dos grandes poetas.

No dia seguinte, à noite, ele telefonou para a minha casa para expressar a satisfação de ter conhecido a poesia do meu livro Ruínas ao sol, que Tânia, carinhosamente, tinha lido para ele, já que nos últimos tempos padecia do agravamento da deficiência visual. Fez questão de dizer, no entanto, que o problema não o estava afetando, pois aproveitava para ter outras experiências com a vida. Falou uns vinte minutos. Foram os minutos mais elogiosos que a minha poesia já mereceu. E estes minutos mais se prolongaram, pois, em seguida, ligou para Ronaldo Costa Fernandes e continuou o enaltecimento ao nosso livro.

Fico com a frustração de ele nunca ter escrito uma resenha sobre algum livro meu. Quando lancei Caderno de desapontamentos — em um de nossos encontros, ele buscou em todos os bolsos do paletó uma resenha que teria preparado para esse livro. Citou essa resenha — talvez imaginária — em vários de nossos encontros. E agora lamento também nunca ter escrito nada sobre a sua poesia. Talvez meu inconsciente julgasse que eu nada pudesse acrescentar para a consagração de uma poesia já amiga e dileta de tantos críticos importantes, tais como Walmir Ayala, Moacyr Felix e José Guilherme Merquior.

Na noite de 10 de setembro, depois de um telefonema de João Carlos Taveira, a perda do amigo, a perda do poeta, a perda do animador dos encontros de escritores — seja na Associação Nacional de Escritores, nos lançamentos ou nas residências dos amigos — dói no meu coração. A literatura de Brasília perde um dos seus fundadores! E um dos seus animadores. A poetisa Cristina Bastos, no dia do sepultamento (11 de setembro) ainda lembrava que, “se a festa estivesse desanimada, era só chamar o Fernando que ela ficava boa”. E as novas gerações de escritores do Centro-Oeste perdem um incentivador, pois Fernando Mendes Viana sentia prazer em conhecer uma poesia nova e em conviver com os novos poetas.

Fernando Mendes Vianna, que foi acometido de um infarto após tomar o café da manhã e voltar para o seu escritório de poeta (foi encontrado às 10 horas, já sem vida, na poltrona em que habitualmente escrevia e fazia suas reflexões), começou a publicar em 1958, e seu último livro, A Rosa Anfractuosa (Brasília: Thesaurus) é de 2004. Sua poesia foi duas vezes premiada pelo Instituto Nacional do livro. E sei que permanece inédita grande parte de sua produção, sobretudo os poemas de maior densidade erótica. Em diversas ocasiões ele me disse que tinha dificuldade para selecionar os poemas que comporiam o novo livro. A sua poesia é clássica, fundada no rigor da métrica e da metáfora limpa, destes textos que mantêm viva a língua da tradição.

Será sempre lembrado pelas palestras repletas de digressões, pelas intervenções intermináveis nas palestras dos amigos e pelos recitais perfeitos, em que era presença obrigatória o poema “Canção do coração” —, e eles foram realizados em diversos lugares de Brasília. Hotel Nacional, bares, livrarias… Numa das últimas Terças Literárias promovidas pela Associação Nacional de Escritores, em que foi expositor, homenageou a poesia do amigo Anderson Braga Horta. Como faltou luz no dia, a palestra se realizou na sala de recepção da entidade, com os convidados em volta de Fernando Mendes Viana. O palco foi perfeito para a exposição entrecortada de informações, de que ele era mestre. A Tânia ficou à flor da pele, pois, em duas horas de conversa, o Fernando ainda não tinha entrado na poesia do Anderson. Mas as suas digressões nunca eram inúteis, se permeadas de história, filosofia, metapoética e experiência pessoal.

Agora eu lamento ter provocado apenas “um” encontro com ele em minha casa. Todos os meus familiares tinham viajado. Só nós dois ficamos na casa. Até de madrugada ele sustentou conversa útil, repassando as suas experiências com a poesia e com a cultura da Espanha, já que morou dois anos naquele país. Eu deveria ter amanhecido haurindo de sua experiência, de seu conhecimento e inteligência, pois, depois que deitei, pude notar que ele circulava pela casa com dificuldade para dormir. Certamente a poesia o mantivesse animado. Ou alguma ausência de mulher.

Era grande amigo de José Godoy Garcia — e nunca provoquei um encontro entre os dois poetas em minha casa. Talvez evitasse estar com os dois num mesmo encontro — pois não sobraria nenhum vácuo na conversa para eu me expressar. Eram donos de diálogo sábio, agitado e cordial. Agora — eu que já não tenho a companhia do Godoy há cinco anos — terei de passar as minhas noites em branco sem a oportunidade de novo encontro em minha casa com Fernando Mendes Viana, para que ele circule insone na madrugada, imantado pelos chamamentos da poesia.

2 de setembro de 2006

Lançamento do livro Ruínas ao Sol


Agradeço a todos que estiveram na Feira do Livro de Brasília para o lançamento do meu livro Ruínas ao Sol, ou que contribuiram na viabilização do livro e na divulgação do evento.
Ainda recentemente, num café com o poeta e romancista Ronaldo Costa Fernandes — amigo especial que está de aniversário —, ele me dizia que se existir um leitor numa cidade, as autoridades dessa cidade tem a obrigação de manter uma biblioteca.
Eu também posso dizer que, enquanto tiver "um" leitor amigo que nos incentive e nos faça companhia na festa de um livro, ainda compensa continuar escrevendo poesia —, ainda tenho a obrigação de continuar buscando novos caminhos para a linguagem poética.
A poesia não tem compromisso só com a emoção, ou com a comunicabilidade imediata com os leitores. Assim como as ruas e as casas precisam dos jardins e de novas mãos de tinta, a língua precisa da tintura da poesia para ampliar as suas vestimentas de beleza. Manoel de Barros diz que a poesia é como a minhoca que dá fertilidade ao solo da língua. Assim, entendo que o poeta tem de continuar a sua missão, mesmo que essa missão pareça a de um louco que fique dando cabeçadas "numa parede calosa e muda", como digo num poema inédito, que sairá no Safra Quebrada, meu próximo livro — será editado até o início do próximo ano em comemoração dos 25 anos de edição de A Moenda dos Dias, nosso primeiro livro.

A POESIA, PARA MIM É UMA MISSÃO COMO A DO FAROLEIRO, DO FERREIRO, DO ESTUDANTE... E UMA MISSÃO PRAZEIROSA, pois sempre somos surpreendidos com construções que julgávamos impossíveis.

E até o lançamento do SAFRA QUEBRADA!!!!!

Foto: apareço com o amigo Wil Prado.

RETRATO, poema de Antonio Machado

Traduzi para meu consumo o poema "Retrato", do espanhol Antonio Machado. Trata-se de um dos poetas de minha predileção, assim como...